31 de dezembro de 2015

PAZ-NA-TERRA-AOS-HOMENS-DE-BOA-VONTADE!

Hoje senti-me mal. Terrivelmente mal!
Precisei de meia hora de estacionamento para o meu carro. Meia hora que tive de pagar. Fosse esse o mal maior!
Último dia do ano. Época de balanços. E a balança tombou pesadamente para o lado da miséria.
Enquanto punha umas moedas nos parquímetros, uma velhinha aproximou-se a pedir dinheiro para dar de comer aos três netos e à filha. Eu alimentava a máquina. Ela não tinha com que alimentar a família. Tão velhinha, deveria ter quem se preocupasse com ela, não deveria ser ela a estar preocupada com os seus.
Uns metros à frente, um polícia vigiava ferozmente os carros estacionados. E multava todos os que não exibissem o papelucho das malditas maquinetas. Alguns condutores teriam ido, provavelmente, apenas tomar um simples café ou dar um rápido recado. E o dia saiu-lhes caro. E os polícias agiram assim, na véspera de Natal e hoje, também! Como lobos esfaimados atrás da presa. Mas, fosse esse o mal maior!
A velhinha continuou vagarosamente o seu percurso. Na rua continuava a ouvir-se uma suave melodia de Natal. “Noite Feliz! Noite Feliz”. Porém, as moedas não entravam no seu bolso, para que ela tivesse o vislumbre de alguma felicidade. Tinham outro destino. Para alimentar quem? O que se faz com o dinheiro que as máquinas engolem diariamente? Serve o bem-estar social? Ou alimenta ideias megalómanas?

Porque o espírito natalício ainda paira por aí e hoje é o último dia do ano e todos desejam um feliz-ano-novo a todos, só apetece dizer: Glória-a-Deus-nas-alturas-e-paz-na-terra-aos-homens-de-boa-vontade. 

21 de dezembro de 2015

É NATAL! É NATAL!

Aquele farrapo de homem arrastava-se pela rua deserta fustigado pelo vento e pela chuva. Mendigava amor. Mas, nem uma mão estendida, nem um abraço se via. O temporal recolhera toda a gente no seu egoísmo. As montras pareciam insultá-lo, com tanto brilho dourado e azul prateado a contrastar com o seu magro rosto vermelho de frio. 
Não houve ninguém para lhe perguntar se estava bem ou mal. 
E os sinos tocavam. É Natal! É Natal! É Natal!...

usar as palavras vento, chuva, amor, vermelho, azul, rua

12 de dezembro de 2015

APRESENTAÇÃO DO LIVRO "TODOS OS TEMPOS VERBAIS"

Hoje, foi a minha estreia na apresentação do primeiro livro do meu amigo Rodrigo Ferrão. A sessão decorreu num ambiente bem intimista, vivido na simpática e original livraria-cafetaria  Snob, situada no centro histórico de Guimarães.

E foram estas as minhas palavras:

É bom conjugar todos os tempos verbais. 
Um pretérito perfeito composto de emoções, tornou-se um presente de palavras nascidas de uma alma sensível e faz vislumbrar um futuro com mais tempos a conjugar, quem sabe, com novos tempos criados por este poeta-arquiteto da frase, que é o Rodrigo Ferrão. Ele é, também, o guia que conduz o leitor por paisagens interiores cheias de enseadas e de cruzamentos. E é, ainda, o pintor que, com pinceladas de memórias, de emoções e de sensações pinta o ontem, o hoje e o amanhã como o comprova, por exemplo, o seu testamento deixado na pág. 28. 
Rodrigo é um rebelde. Desobedece à gramática e às regras que ela impõe. Ignora as maiúsculas nos inícios de frase e depois dos pontos; usa de forma convencional sinais nada convencionais e sinais convencionais de forma nada convencional. Brinca com hífens, reticências, parêntesis, repetições e não quer saber de rimas nem de métricas. Faz da frase geometria. E com as palavras faz música. E faz muito bem! Só assim, sem grilhões, o poeta poderá “condensar o mundo num só grito” como tão bem definiu Florbela Espanca, e deixar escapar o que lhe vai na alma para nós, pobres leitores, podermos apanhar esses farrapos soltos e os juntarmos num trabalho de patchwork. 
Na sua apresentação, no Porto, o Rodrigo disse não saber como “conseguem os poetas sobreviver nos tempos de hoje”, porque é difícil “arranjar espaços de silêncio e locais onde não os descubram.” Difícil mas não impossível, digo eu. E a prova está neste pequeno livro, em tamanho, mas grande em significados que tão bem foi vestido por um mestre do pincel, David Pintor. Temos assim, a seguinte operação matemática: imagem da capa + título + poemas = sedução. 
E, para concluir, nós, leitores, encontramos neste livro os nossos espaços de silêncio e descobrimos o ser que vive dentro do Rodrigo. 
Obrigada, Rodrigo, por conjugares comigo o verbo partilhar deste presente. Eu espero continuar a conjugar contigo todo o futuro.

4 de dezembro de 2015

ENCONTRO COM ALUNOS NA ESCOLA SECUNDÁRIA DOS CARVALHOS

Foi muito interessante o encontro, hoje, com alunos dos cursos profissionais de auxiliares de infância e de design. Uns porque querem saber como escrever para crianças, outros porque querem conhecer técnicas de design, todos porque querem saber como se ilustra uma estória, assim se passou  a tarde numa conversa com eles e com a ilustradora dos meus livros, Helena Veloso.


22 de novembro de 2015

FARTOS DE DITADURA!


- Que diabo de velha com mania das limpezas! Estou farta!!! Vou fazer greve! 
A velha pegou na desgastada vassoura que se recusou a varrer. Tachos, panelas e frigideiras, fartos de tanta esfregadela, começaram a pular de alegria, batendo as tampas, solidários. Não se suportava o barulho naquela casa. 
O galo decidiu entrar na festa. Para que a velha não lhe cortasse a voz de tenor, como estava previsto, decidiu enlouquecê-la de vez, comandando a ruidosa manifestação: 
-Cocorococó!



Desafio: greve na cozinha
Desafio Escritiva nº 2, blogue 77palavras de Margarida Fonseca Santos 
NOTA: versão reduzida do meu conto (não publicado) "A vassoura que desvassourou)

2 de novembro de 2015

POR ISSO ME ESCREVI...

Fazer soltar palavras adormecidas é tarefa de herói.
Eles mostram-se renitentes, escusam-se a usá-las pois são muito novos, inexperientes. Primeiro, têm de encontrar as palavras certas na densa floresta onde habitam. Depois, têm de aprender a acariciá-las e beijá-las (como príncipe que desperta a Bela Adormecida), devagarinho, para não estremunharem nem estranharem sair do sono profundo. 
Foi assim que tudo começou. Ensinar os jovens a escrever. Provocar. Insistir. Não desistir. 
E foi por isso que me escrevi.

30 de outubro de 2015

TERCEIRO ANIVERSÁRIO DO CLUBE DE LEITURA

Frio lá fora. Chove
Mas não neste clube 
Os livros aquecem.

A sessão de outubro do Clube de Leitura, na BM de S. João da Madeira, foi muito animada, apesar do tema morte, tema do livro do mês, As intermitências da morte, de José Saramago. Sendo a data de comemoração do terceiro aniversário do Clube, o grupo fez um "piquenique de burguesas", à boa moda de Cesário Verde. E, sim, "Houve uma coisa simplesmente bela,/E que, sem ter história nem grandezas,/Em todo o caso dava uma aguarela."



Como desafio, as leitoras foram convidadas a apresentar um texto que incluísse todos, ou grande parte, dos títulos lidos e os que já estão selecionados para futuras leituras. Deu nisto: 

 Carta de amor a um livro sem ninguém
 Se numa noite de inverno, debaixo de algum céu, um viajante me pedisse para escrever uma carta de amor, seria a ti. Dir-te-ia:
Livro, és o meu amor de perdição, sem fim à vista, mesmo que sejas um livro sem ninguém dentro. És a metade maior deste meu admirável mundo novo.
Contigo nas mãos, nenhuma humilhação me afeta e a desumanização do mundo esvai-se. Deixo de ser o homem duplicado, aquele que tem a vida que deseja ter e a vida que os outros acham que eu deva ter. Contigo, não preciso de fingir e, juntos, tornamo-nos transparentes.
Apenas contigo consigo criar fortes laços de família. Tu és a minha única família e, para não ter de te partilhar, escondo-te na casa dos budas ditosos, o meu refúgio, onde rapidamente passo do cinzento ao azul celeste das emoções. 
Que importa a fúria do mar se te tenho à mão para me acalmares?
Que importa viver constantemente no fio da navalha se te tenho ao lado para me salvares?
Tu és o meu livro do ano, todos os anos! Por favor, nunca me deixes!
Sempre teu,
Leitor anónimo

Nota: autores dos livros lidos e/ou a ler, por ordem de entrada no texto:
  1. Pedro Guilherme-Moreira
  2. Italo Calvino
  3. Nuno Camarneiro
  4. José Luís Peixoto
  5. Camilo Castelo Branco
  6. Raquel Ochoa
  7. Julieta Monginho
  8. Aldous Huxley
  9. Philip Roth
  10. valter hugo mãe
  11. José Saramago
  12. Ondjaki
  13. Clarice Lispector
  14. J. Ubaldo Ribeiro
  15. Ana Oliveira
  16. Ana Margarida Carvalho
  17. Somerset Maugham
  18. Afonso Cruz
  19. Kazuo Ishiguro

21 de outubro de 2015

ATAQUE DE RISO

Passaram uns anos mas esquecer é impossível.
Viagem a Paris, com alunos. Dos professores, apenas Ana fala francês. Grupo sentado no restaurante, ocupando uma longa mesa. Ana está numa ponta, Ilda na outra. Ilda chama Ana e o desastre acontece:
- Ana, como se diz pedras em francês?
- Pierres.
De braço levantado, Ilda pede convictamente:
- Garçon, eau de pierres!
Ana explode a rir. Hilariante a cara de espanto do “garçon” perante tal pedido e tal ataque de riso. 

Desafio Escritiva nº 1, blogue 77palavras: um momento de riso!

17 de outubro de 2015

16 de outubro de 2015

ALTOS ESQUEMAS!

Altos esquemas! E ninguém sabe donde regressam! 
Saem do descapotável que para frente ao portão, com os longos cabelos à solta, alisam os minivestidos justíssimos, descalçam as sandálias de salto fino, calçam os tamancos, atravessam o quintal enlameado, entram na casa de lavradores onde a mãe parte os talos das couves para o caldo. Olha-as, encolhe os ombros e abana a cabeça. Já se habituou. Só não entende onde as filhas foram buscar os genes. Tão tolas!

3 de outubro de 2015

SEM SAÍDA

Depois de ter perdido o patrocínio, a sua vida deixou de ter sentido. Atroz, a dor da desilusão! 
Sente-se a cair de quatro, como se tivesse sido atropelada por quatrocentos camiões, atrofiada das ideias. Como albatroz preso, sem saída, é este o seu estado. Ficou de asas caídas sem força para enfrentar vendavais. 
Neste mundo comete-se tanta atrocidade
Decidiu sair. É melhor espairecer para não enlouquecer porque o futuro vislumbra-se negro como estrada alcatroada. O teatro animá-la-á! 

Desafio nº 99 da Margarida Fonseca Santos: 
8 a 10 palavras com ATRO

23 de setembro de 2015

FIM! (segunda versão)

Versão reduzida em 77palavras do conto Fim! (ver aqui)
Para mim deixou de haver amanhã. Os móveis foram doados, a poltrona ficou sem serventia, destroçada. Nela, Emília foi pedida em casamento, descansou, mal regressou das núpcias, sentiu as dores de parto, amamentou a filha, observou-lhe as brincadeiras, chorou, riu, morreu.
Eu e ela. Abandonadas, nós que testemunhámos tanta vida. Encostado a mim, como um espectro, José nem se apercebe que tudo tem um fim. O Alzheimer permitiu-lhe esquecer as perdas. Vai partir para o lar. Inevitável.

Desafio nº 98 da Margarida Fonseca Santos: 
conto a partir da fotografia de Pedro Teixeira Neves

FIM! (primeira versão)

Tanto que pode dizer uma imagem!!! Fotografia de Pedro Teixeira Neves.

Para mim deixou de haver amanhã. Contas feitas, sobrou nada. Desde o dia em que os móveis foram doados e apenas a poltrona, de tão velha e sem serventia, fora atirada para o jardim, tão mal cuidado como ela, como eu. E tanto que temos para contar. 
Já não sei quantos anos tenho. Setenta? Oitenta? Só sei que nada poderia acabar assim. 
 Destroços. Solidão. Abandono. É o que existe agora, é o que eu sinto, eu que conheci tanta vida! Mas os velhos ficaram mais velhos e a partida para o lar tornou-se inevitável. Como a poltrona ficou, também, velha e gasta, sem serventia, vai para a lixeira. Eu fui vendida, vou ser restaurada. Os novos donos não querem nada velho. Não seria melhor demolirem-me? 
(...)
Continua, in Os dias são assim

12 de setembro de 2015

MONÓLOGO

- Diz-me: que tens? Porque não sorris? Porque não falas? Estás tão triste! Que fardo carregas? Desabafa comigo, agora!
(brotam silêncios ameaça(dores))
- Engoles tanta amargura! Choras, qual Madalena. Despede esses sentimentos. Quero tanto ajudar-te. Permite-mo, por favor! Abre o coração. Liberta a mente. Quero estar contigo. Quero poder amar-te. Despreza quem traiu. Esquece-o, apaga-o, ignora-o. Mata as recordações. Passado é passado. Não o ressuscites.
(ouvem-se silêncios promissores)
- Olha em frente. Repara em mim. O presente existe. Deixa-me entrar! 

Desafio RS nº 29, da Margarida Fonseca Santos:
 sempre frases de 3 palavras apenas (exceto a última)

7 de setembro de 2015

VIDAS

O homem estendido na areia despertava a curiosidade de todos os banhistas que iam chegando. 
Uma toalha de praia como lençol amparava-lhe o sono. Cabeça enconchada numa grande mochila, pele tisnada, sapatilhas e chinelos simetricamente alinhados com a toalha, o homem tinha ali passado a noite, pela certa. Ou o que restara da noite! E, pelo jeito, iria ali passar o dia, a dormir. Volta e meia, levantava as pálpebras, a querer dar os bons dias ao sol, mas este não estava para aturar madraços. Logo nesse dia em que tinha decidido ficar mais esperto e queimar tudo onde pousava. Por isso, espetava-lhe os raios e cegava-o e o homem voltava a fechar os olhos e a dormir.
(...)
Continua, in Os dias são assim

6 de setembro de 2015

NA FEIRA DO LIVRO DO PORTO

Hoje foi uma tarde de Feira do Livro, no Porto. Numa sessão de autógrafos com uma forte concorrência, foi uma honra estar sentada ao lado da Alice Vieira que atrai multidões. Quando for grande, quero ser como ela!!!





19 de agosto de 2015

VARREDURA

Alberta não aguentou mais tanto sentimento acumulado e saiu de casa com a alma pesada, manhã cedo, ainda o sol não despertara. Montou a bicicleta e voou estrada fora, perseguida por mil borboletas escapadas dos seus sonhos, há tanto aprisionados. Chegara a hora de batalhar, de obliterar o casamento, qual bilhete caducado, de se libertar de tanta tralha amontoada no coração e na cabeça. Foram sonhos adiados, decisões tomadas e não concretizadas, receios de enfrentar o vazio, falta de espaço. 
Foram dias, foram meses, foram anos. Sempre a mesma rotina. Sempre as mesmas palavras, sempre os mesmos gestos. Sem lugar para a novidade. Sentia-se à deriva dentro de si própria mas não procurava o caminho para se reencontrar e não sabia (ou não queria saber) como interpretar os diálogos travados com a sua consciência. 
A última arrumação das gavetas foi a bússola, o farol, o GPS, algo que lhe apontou a saída. Aquela varredura anual dos armários… uma metáfora? 
(prolongamento do microconto "Como bilhete caducado")
(...)
Continua, in Os dias são assim

12 de agosto de 2015

APRENDIZ DE BRUXA

Para aprendiz de bruxa, até tinha a escola toda! Que sacana! 
Fez-se passar por amorosa criatura, conquistou todos com falinhas mansas, roubou confidências e segredos, açambarcou lágrimas. Porquê? Para espalhar aos sete ventos a intimidade daqueles que nela confiaram. 
Pior! Josefa armou a maior das intrigas! Disse ao meu marido que eu estava grávida! E ele em Cuba há dez meses. Confrontada, armou-se em inocente:
- Disse-lhe apenas que “estabas embarazada”. Não estás embaraçada por estares sozinha?... 
Bruxa! 




Desafio RS nº 28, da Margarida Fonseca santos – Josefa, intriguista e bruxa

2 de agosto de 2015

COMO BILHETE CADUCADO

Alberta saiu de casa com a alma pesada. Montou a bicicleta e voou estrada fora perseguida por mil borboletas escapadas dos seus sonhos, há tanto aprisionados. Chegara a hora de batalhar, de obliterar o casamento, qual bilhete caducado, de se libertar. Ganhou coragem e, quando regressou, despojou-se da culpa, como se tivesse esvaziado os armários de toda a inutilidade. Junto às bétulas do jardim, pousou as malas, olhou a casa e, mesmo não sendo decisão bilateral, partiu.

Desafio nº95 da Margarida Fonseca Santos - máximo de palavras com as letras BTL


30 de julho de 2015

"DO CINZENTO AO AZUL CELESTE" NO CLUBE DE LEITURA

Foi assim, a última sessão do Clube de Leitura, na Biblioteca Municipal de S. João da Madeira. Foi com muito orgulho (e muita ansiedade) que vi o meu livro Do cinzento ao azul celeste em discussão.


29 de julho de 2015

MICROCONTOS

Os meus microcontos em suporte de papel, numa versão única, em caixa ilustrada pela minha irmã Cristina. Graças à escritora Margarida Fonseca Santos, mentora do projeto, os desafios são aceites e deram estórias. Sem eles estes contos não existiriam; fizeram-me descobrir a minha praia e aqui é onde me sinto melhor na minha relação com a escrita.
Todos eles podem ser lidos aqui, no blogue.

23 de julho de 2015

NO BAILE DA PARÓQUIA

Vivia na ilusão de não haver amor como o primeiro. Ficar solteira seria o fim do mundo logo, agrafou-se ao primeiro que lhe deu trela e dançou com ele, toda a noite, no baile da paróquia. Ele beijou-a e um clarão, (que não foi reflexo do fogo de artifício), iluminou-lhe o rosto. 
Quando ele bateu a porta e partiu, abriu-se-lhe uma janela por onde entrou a lucidez: finalmente entendera que “mais vale só do que mal acompanhada”.

2 desafios, da Margarida Fonseca Santos, juntos: 
nº 94, com clarão, porta a bater e ilusão +  nº 90, com provérbios contraditórios

DECEÇÃO!

- E o que sentiste quando ele te disse tamanha barbaridade?
- Passou-me tal clarão pelo olhar que não disse nada, ele percebeu. Além disso, o gesto é tudo. Levantei-me, peguei no casaco e na carteira e saí, batendo a porta estrondosamente.
- Quem diria! Pareciam feitos um para o outro!
- Afinal, ele não me conhece suficientemente bem. Pensar que eu gostava daquilo? Cada vez mais me convenço que o sucesso de uma relação não passa de ilusão. Que deceção! 

Desafio nº 94 da Margarida Fonseca Santos: com clarão, porta a bater e ilusão

O QUE ACABEI DE RELER

O Rapaz dos sapatos prateados é o último livro da trilogia da qual fazem parte as obras A Ilha do Chifre de Ouro e O Último Grimm onde há uma fusão de dois mundos: o real e o imaginário, tema preferido do autor na sua literatura. 

Hugo tinha seis anos quando percebeu que o mundo não rimava com ele e experimentou a dolorosa solidão dos diferentes. Segundo ele, a sua família é uma família de “grunhos” e de “Is”- incultos, insensíveis, idiotas e irresponsáveis. Hugo é, realmente, um rapaz diferente. Sensível, está atento e questiona o mundo que o rodeia e os sues mistérios: Deus, Céu, Inferno, Morte, Poesia, Amor. 
Ao longo da estória, Hugo vive uma forte paixão e vê-se envolvido num caso policial onde nem sequer falta um crime! No final, o protagonista liberta-se da lei da gravidade e voa na pele do Rapaz dos Sapatos Prateados, o duplo que ele criou, num jogo entre o real e o imaginário. 
Primeira página:
"Tinha seis anos quando percebi que o mundo não rimava comigo e experimentei a dolorosa solidão dos diferentes. Tudo, ou quase tudo, à minha volta me parecia estranho; a começar pela minha família. 
Eu gostava de palavras e tinha aprendido a ler e a escrever antes dos outros todos da minha sala. Como? Onde? Aí é que está! Como ninguém me ensinou, acho que foi a olhar para os títulos dos jornais desportivos que o meu pai trazia para casa ao fim do dia, ou nas revistas que me apareciam à frente, ou até nos letreiros das montras e nos cartazes publicitários. Felizmente, as palavras estão por todo o lado. Eu olhava para elas e elas olhavam para mim como se me conhecessem. Talvez de uma vida anterior em que fomos felizes e vivemos uma história de amor"

Ao longo de todo o romance, o leitor agradece que as palavras estejam por todo o lado e tenham entrado neste romance juvenil. Apetece pegar no lápis e sublinhar todas as frases que fazem sentido e tocam o leitor, que encerram pensamentos e reflexões sobre assuntos que convivem diariamente connosco mas que nos passam ao lado pois vivemos a correr: "As crianças correm para a adolescência, os adolescentes correm para a vida adulta, e nem uns nem outros param para simplesmente ser. Estão sempre em trânsito, a caminho do que vão ser, e nunca chegam a ser aquilo que são". (página 45)

12 de julho de 2015

A CULPA É DOS GATOS


Luísa gosta de gatos. Vinte passeiam-se pela casa, ronronantes; cinquenta, estáticos, estão espalhados pelos móveis. A sala adaptada parece um parque de diversões felinas. 
Tem outra paixão: togas. Mas, os ex-namorados, todos magistrados, não toleraram a gataria. 
Este seria diferente. Juiz, idade madura, compreenderia. Ela requintaria no primeiro jantar, não importava o gasto. Mas o juiz escapou-se, antes da sobremesa, como gotas escorrendo da vidraça. Luísa não aguentou a tosga que apanhou. Morreu nova, solteira e virgem.

Desafio Rádio Sim nº 27, da Margarida Fonseca Santos
 Brincar com anagramas: que palavras se constroem com as letras G S T A O?

6 de julho de 2015

VIVER A VIDA

Esta é a fase ideal para parares a vida de carpideira. Chega! Desvia-te das barreiras, escapa-te das enrascadas. Desamarra as fragilidades, sai da neblina. Respira, finalmente. Lê devagar, medita, partilha. Enfeita-te e sai de casa. Rabisca na areia. Bebe chá, champanhe, se preferires. Reaprende a rir, a bater palmas. 
A fase é fantástica para te sentires bem. Almeja apenas a liberdade. Sem pressas, vive cada dia. A vida é breve mas tem prazeres para te dar, lembra-te.

desafio nº93 da Margarida Fonseca Santos: escrever sem usar as letras O nem U

27 de junho de 2015

ESPELHO...

Olho o espelho e sinto um frio a queimar-me. Não vejo ali a menina que fui. Espanto! Estará o espelho zangado comigo? Olho as rugas, os cabelos brancos, e não reconheço a imagem que ele me devolve. Fujo, desorientada, mas não resisto. Regresso. Vou enfrentá-lo teimosamente. Pode ser que a repetição o humanize e me devolva aquilo que me quer roubar: o esverdeado dos olhos, o louro do cabelo, a pele macia, a paz. Ai que revolta

Desafio nº 92 da Margarida Fonseca Santos: associar: frio, espanto, revolta e repetição

7 de junho de 2015

IDEIA SINGELA

Depois de um longo período negro, vazio, de espera angustiada e medo de falhar, ela surgiu.
Inicialmente, muito ténue, envergonhada. Parecia comprometida por ousar romper as trevas com tanta limpidez. Mas não se podia esconder mais. Foi conquistando espaço, ganhando confiança, engrossando com palavras que começaram a chover em catadupa. 
Quando menos esperava, aquela ideia tão singela deu lugar ao seu melhor romance, o mais aclamado pela crítica, o mais lido, candidato ao prémio “Romance do Ano”.

Desafio nº91 da Margarida Fonseca Santos:
Uma gota de chuva escorre sobre algo, serpenteando e ganhando velocidade, até se juntar a uma pequena poça.

21 de maio de 2015

O AMOR TUDO VENCE?

O amor tudo vence! Assim lhe dava força a mãe quando o noivo decidiu emigrar. Seria? Tinham planos, tinham sonhos, mas não tinham ilusões. A crise. A maldita crise que, de cara feia, negava emprego, estabilidade, esperança. 
Ele partiria à frente para abrir caminhos, traçar rumos. Ela juntar-se-ia mais tarde. Um ano, talvez. 
Quando os telefonemas espaçaram, o skype emudeceu, e as palavras definitivas chegaram, juntamente com uma foto esclarecedora, compreendeu: longe da vista, longe do coração!

provérbios contraditórios - desafio nº90 da Margarida Fonseca Santos

13 de maio de 2015

A CAMINHO DA ELEGÂNCIA

obra do colombiano Fernando Botero

E se na mesma estória têm de entrar um elefante, um lírio, um agrafador e uma tosse seca?
Deu nisto:
Despertou com a tosse seca do marido e com o urro do elefante que, na televisão toda a noite ligada, anunciava um produto milagroso para a memória. Reviu-se naquela enormidade. Levantou-se às escuras, esbarrou na mesa, o lírio solitário da jarra e a sua fotografia enquanto jovem esbelta estatelaram-se. Lembrou-se que iria começar a caminhada para recuperar a elegância. A cirurgia bariátrica marcada para aquele dia seria o agrafador que lhe coseria a boca e a avidez.

desafio nº89 da Margarida Fonseca Santos

3 de maio de 2015

28 de abril de 2015

O QUE ACABEI DE LER

Depois de uma visita “às putas” (o termo é sobejamente usado ao longo do romance!) o jovem soberano não consegue tirar da cabeça o corpo nu da cortesã Marfisa. Mas, os severos costumes impostos pela Inquisição impedem-no de manter um relacionamento íntimo com a Rainha e de a ver nua. Com o apoio do padre Almeida, um jesuíta português, o único que revela um espírito crítico inteligente e uma mente esclarecida, o Rei vai contornar esta difícil situação. E, enquanto isso não acontece, toda uma intriga se tece na corte. 
A destacar: 
• a inocência do Rei: “Quero ver a Rainha nua. E afastou-se com o mesmo rosto pasmado, embora nas suas pupilas já brilhasse a esperança.» (pág. 38) 
• o despotismo da corte e do clero (pág. 23); 
• a hipocrisia da igreja (pág. 36, 40, 41…); 
• a ignorância: “Que espécie de insensatos são Vossas Mercês que assim se regozijam com o que pode trazer-nos calamidades, e as trará de certeza se não se lhe põe remédio? [...] Não é só o protocolo da corte que se opõe a semelhante disparate, também o impedem as leis de Deus e da Igreja. O homem pode aceder à mulher com fins de procriação e, se os seus humores lho exigirem, para os acalmar, mas nunca com intenções levianas, como seria a de contemplar nua a própria esposa.» 
• as proibições e inibições de caráter sexual que contrastam com o à vontade das cortesãs; até a arte onde se expõem corpos nus é proibida (pág. 24, 25) 
• a caça às bruxas e os autos de fé 
Um romance divertido, crítico, põe a nu, de forma hilariante, não só as mulheres mas também a podridão de uma sociedade ignorante, dominada pela Igreja. 
 “- Resta saber o que se entende por desgoverno – disse o padre Villaescusa. - Queimar judeus, bruxas e mouriscos; queimar hereges; atentar contra a liberdade dos povos; fazer os homens escravos; explorar o seu trabalho com impostos que não podem pagar; pensar que os homens são diferentes quando Deus os fez iguais… Querem Vossas Paternidades que prossiga a enumeração?
Tinham ouvido estupefactos o padre Almeida: todos, incluindo o Inquisidor-Mor.” (pág. 69)

MULHERES

25 de abril de 2015

ENCONTRO COM ALUNOS NA ESCOLA OLIVEIRA JÚNIOR

Foi ontem e foi muito interessante o encontro com três turmas (5º e 6ºanos) da Escola Oliveira Júnior, em S. João da Madeira. 
O tema: ditadura versus liberdade.
O livro: Do cinzento ao azul celeste.
Algumas dúvidas: por que motivo rapazes e raparigas não podiam estar na mesma turma ou na mesma escola? Por que motivo havia músicas e livros proibidos? Por que motivo as crianças iam trabalhar com dez anos? Como foi viver o dia da revolução? 
Os desafios:

  • imaginar que hoje, 25 de abril, 41 anos depois da revolução, alguém se lembrava de fazer a revolução ao contrário, isto é, acabar com a liberdade e instalar, novamente, a ditadura. 
  • imaginar que, se isso acontecesse, não poderíamos estar ali a falar de liberdade, de direitos, de manifestações, de espírito crítico, de futuro.
  • imaginar que, se isso acontecesse, eu e tantos outros, seríamos presos porque escrevemos estórias onde entram palavras incómodas.

Isto nem foi bom lembrar! Houve reações imediatas e as crianças nem querem imaginar que tal lhes possa acontecer!
Mas, nem todos aceitam a escola de cara alegre. Tal como a personagem da estória, alguns alunos consideram que, trabalhando, ganham dinheiro e na escola não ganham nada. De facto, vivemos cada vez mais numa sociedade materialista e isto notou-se e nota-se diariamente no contacto com crianças e jovens.
No entanto, a conclusão, brilhante, saiu da boca de um aluno: "Na escola ganha-se futuro".
E, conversas assim, enchem-nos completamente.

23 de abril de 2015

ENCONTRO COM ALUNOS NA EB1 DO VISO, CANIDELO

Um encontro com alunos que me lambuzaram a cara e a alma.

 No final da sessão, alguns alunos não me largaram. Acharam imensa piada à lousa e ao ponteiro e escreveram-me mensagens.



ENCONTRO COM ALUNOS PARA ATIVIDADE DE ESCRITA

Foi assim, com uma turma de 7ºano, na escola Oliveira Júnior, em S. João da Madeira.Teremos escritores?

11 de abril de 2015

URGÊNCIA...

Desafio nº 87 da Margarida Fonseca Santos: o que faz uma cabra numa ponte romana sobre um rio? 


Tarde de inverno. O rio corre apressado empurrado por um vento desnorteado. A velha ponte romana aguenta firmemente a intempérie e o rebanho que a atravessa para a outra margem, à procura dum lugar abrigado. 
Distraído, o pastor não se apercebe do que está a acontecer e acelera o passo. O rebanho segue-o, submisso. Mas, falta-lhe uma cabra, ele volta atrás. Encontra-a numa luta titânica com a dor e a urgência do cabritinho que teima nascer ali.

PARQUE DO RIO UL

Este parque continua a ser ótimo para caminhadas, corridas, relaxamento, leituras e escritas inspiradoras (seja lá o que isso for!). Um local cheio de luz!