17 de dezembro de 2023

O QUE ACABEI DE LER

O título do livro remete, desde logo, para o célebre poema de Sophia de Mello Breyner Andresen, “Esta é a madrugada que eu esperava / O dia inicial inteiro e limpo / Onde emergimos da noite e do silêncio /E livres habitamos a substância do tempo”.

E a questão coloca-se: o que tem a ver o Natal (palavra no título) com o poema associado ao 25 de Abril e com a imagem da capa com cravos vermelhos, símbolo da revolução e da liberdade, espetados num pinheiro de Natal?

A curiosidade do leitor rapidamente é sossegada pela narradora que, logo no início da narração, dá a resposta: O Natal aproxima-se e o seu avô não sabe o que é o Natal. O seu avô está duplamente esquecido (de si próprio e pelos outros). Tão esquecido, que responde, quando lhe perguntam quem é, “Ninguém”, como o Romeiro do Frei Luís de Sousa.

Quando o avô decide falar, a neta ouve-o falar de um Natal passado há 50 anos. Um Natal “inteiro e limpo”, em que as pessoas vieram para a rua. Soldados e mulheres. E flores. “O povo na rua, a guerra no fim, o dia de festa”.

Sim! Era Natal nesse dia porque homens e mulheres puderam estar juntos, a guerra tinha acabado, havia países novos, os militares não dispararam.

Era Natal!


28 de agosto de 2023

O QUE ACABEI DE LER

 

A política, o pós 25 de abril, os retornados, a amizade, o divórcio, as frustrações amorosas, a adoção de animais, o abate de animais para alimentação, a sociedade de consumo e o inevitável desperdício, a escola, as escolhas, está tudo neste livro. Tudo posto a nu, sem subtilezas, sem rodeios, sem preconceitos.

O narrador é uma personagem fantástica pelas escolhas de vida que fez, por assumir estar contra tudo o que para os outros é normal e por ter coragem de ir contra todas as opiniões. A sua suposta solidão junta-se a outra solidão, a da estranha vizinha que coleciona caixotes de tralha catalogada e fotos que não revela.

Uma narrativa com tempos alternados, histórias de vidas cruzadas, intercaladas, intrincadas. Um romance com muitas histórias dentro, cada uma mais intrigante do que a outra. Em torno das histórias do José, giram as histórias das personagens que fazem parte da sua vida: as histórias da mãe, do pai, da avó, da Cátia, da vizinha, dos retornados, dos cães.

 "Que resultados obtemos quando se juntam duas solidões?"

Neste caso, solidão + solidão = partilha, apoio, confiança, diálogo. Porque “precisamos de alguém com quem falar.”

Seja uma pessoa, seja um cão no meio do caminho, "Ninguém entra na nossa vida por acaso."

Depois de ter lido  A gorda e, agora, Um cão no meio do caminho, Isabela Figueiredo está, definitivamente, na lista das minhas preferências.

23 de agosto de 2023

NÃO ERA UMA SOLUÇÃO PLANEADA


Pobre gaivota!

Tão perdida, abandonada.

Dificilmente resistiria sem ajuda.

A solidão acentuava-lhe o sofrimento.

Desorientada, em equilíbrio instável, grasnava aflita.

Ficou ali, quieta, asa ferida, voo impedido.

Especada no alto da falésia, procurava o bando.

Na forte ventania que soprou repentinamente, vislumbrou a oportunidade.

Agarrar-se-ia desesperadamente a algo que a salvasse, então decidiu arriscar.

Partiu nas asas do vento, deixou-se baloiçar, esqueceu a dor, relaxou.

Não era uma solução planeada, apenas um acontecimento inesperado, mas talvez funcionasse.



19 de agosto de 2023

SESSÃO DE AUTÓGRAFOS NA FEIRA DO LIVRO DO PORTO

 


É já no próximo dia 10 de setembro, pelas 17 horas.

AREIAS NA ENGRENAGEM

Enquanto mirava a linha do horizonte, pensava no que fazer.

Quando ele a fixava com o seu olhar azul, era como uma brisa num dia quente de verão e ela cedia. Mal abria a boca, as palavras saíam-lhe amargas como limão. Rapidamente se tornava um caldinho sem sal, sem qualquer atrativo (nestas alturas, o azul dos olhos desmaiava). Não havia motivo para manter a relação, mas adiava, adiava.

Como retirar estas areias da engrenagem da sua vida?


18 de agosto de 2023

AGOSTO


 Adoro agosto. Ele traz calor, praia, banhos de mar, férias, descanso. E é o mês do meu aniversário. Se, por um lado, em cada agosto, vou avançando na velhice, por outro lado, é sempre a oportunidade de celebrar mais um ano de vida. E é com muito gosto que eu entro em agosto. O único mês em que paro para fazer o que gosto e o que me apetece, impossível de fazer nos outros meses de trabalho. Contudo, começo a ter medo do mês de agosto. 

Em agosto de 2022, sabes o que fizeste, Hélio? Pregaste-nos uma partida e partiste. Sem aviso prévio. Sem que ninguém esperasse. Apanhaste-nos desprevenidos!

Em agosto de 2023, foste tu, Carlos Jorge! Foi a tua vez de nos pregares a partida e de partires também sem aviso prévio. Foi combinado entre vós?!!! Vós voltastes à infância e pregais partidas à família? Com 57 e 55 anos, respetivamente, é cedo para a partida, mas tarde para partidas de mau gosto. 

E agora tenho medo. Medo do agosto que adoro. Medo de voltar a ter surpresas que ninguém deseja e que nos fazem sofrer!


9 de agosto de 2023

O QUE ACABEI DE LER


Barry é um emigrante de Antígua em Londres e é o protótipo de uma masculinidade viril e chefe de família conservadora.
  No entanto, resolve, aos 74 anos, viver a sua vida em plenitude assumindo a sua homossexualidade para poder, finalmente, viver com o homem que ama desde a adolescência.

Todo o romance é um divertimento, apesar da seriedade do tema e das críticas sociais. E é uma fonte inesgotável de frases fantásticas para excelentes citações sobre variadíssimos assuntos. Além disso, é um emaranhado de sensações que deliciam o leitor através das descrições dos trajes das personagens, do mobiliário, dos pratos caribenhos, das músicas…

A estrutura narrativa faz o leitor ouvir duas vozes de dois narradores diferentes e alternar tempos entre 1960 e 2010.

Barry é o narrador do presente: “Não tenho dúvida nenhuma do que digo porque eu, o excelentíssimo Barrington Jedidiah Walker, te conheço, monsieur Morris Courtney de La Roux, desde que éramos dois reguilas de cara lisa e voz de cana rachada porque os tintins ainda não tinham descido (…)". O tom que usa é cheio de humor e o leitor facilmente adere à personagem e deseja que se livre rapidamente do seu casamento de aparências para viver o seu grande amor.

O tom do segundo narrador, que narra o passado, é pessimista e ressentido. É a voz da própria Carmel, a ingénua mulher de Barry que, nunca suspeitando da orientação sexual do marido e sempre acreditando que a sua falta de interesse por ela se devia a outras mulheres, se recrimina pelas escolhas que fez: viver uma vida falsa, sacrificando a sua felicidade em nome de um casamento “sagrado” que nunca resultou.

Adorei este romance cheio de ritmo e de humor e Bernardine Evaristo, de quem já tinha lido Rapariga mulher outra, tornou-se, definitivamente, uma das minhas autoras preferidas do século XXI pela forma como cativa o leitor através do seu olhar sobre uma sociedade cheia de problemas e da forma como expõe preconceitos enraizados.


 

29 de julho de 2023

O QUE ACABEI DE (RE)LER


Comprei o livro há já uns anos, sem saber nada sobre ele, sem conhecer a autora.  Penso que foi o título que me chamou a atenção. E a primeira frase, bombástica, também: “Quarenta quilos é muito peso.”

Como provavelmente acontecerá com toda a gente, logo pensei tratar-se de um romance sobre obesidade, transtornos alimentares ou algo do género. Desengane-se o leitor! A obesidade da narradora não é o foco do romance, embora seja um fator que o faz acontecer, pois é uma condicionante da sua vida, um obstáculo ao seu grande amor. Será, sobretudo, um pretexto para a narrativa de tantos acontecimentos, tantas problemáticas, tantos estados de espírito.

Seguir a vida de Maria Luísa, a narradora e protagonista, nascida em Moçambique e enviada pelos pais para Portugal em 1975, é entrar num mundo de conflitos psicológicos e de luta contra os estereótipos da sociedade. Luísa não encaixa nesta sociedade, nem na sua família, nem no seu próprio corpo: “O corpo não para de crescer. As mamas não cabem no sutiã. Sobram apertadas no peito e junto às axilas. Pesam. Preciso de outro, mas não tenho como o adquirir. A anca, o rabo e as coxas alargam. As cuecas demasiado pequenas apertam-me as virilhas, deixando marcas fundas, arroxeadas. Tenho o corpo destravado e cheio de fome.” (pág. 152)

A história da sua vida (e a dos seus pais, retornados de Moçambique após o 25 de abril de 1974) conduz o leitor numa viagem pela política, pela sociedade, pela música, pela televisão de um passado recente, num vaivém constante entre tempos que alternam o foi com o é, o que faz despertar nos leitores nascidos nos anos 60, memórias de tempos vividos e, provavelmente, já esquecidos.

Maria Luísa vive uma vida amorosa que perturba o leitor. São muitos os desejos, muitas as frustrações, muitos os dilemas o que a faz viver em constantes contradições. E a sua forma nua e crua de se expor pode chocar almas mais sensíveis. Mas é isto que faz deste romance um romance poderoso.

A técnica narrativa usada, sequências narrativas alternadas em que o passado antigo, o passado recente e o presente se confundem, obriga o leitor a estar atento e a envolver-se na história. Da mesma forma, a divisão do romance em capítulos com o nome das divisões da casa convidam-no a desenhar, mentalmente, a arquitetura da casa e a descobri-la: o leitor entra pela “porta de entrada”, o primeiro capítulo, e explora-a até ao "hall" (o último capítulo) que tanto recebe como deixa sair os convidados.

À tendência de o leitor associar a narradora à autora e crer que a vida de uma é a vida da outra, Isabela Figueiredo responde à pergunta, feita pelo jornal Público: o que é que distingue Isabela de Maria Luísa? “Essa é a pergunta à qual nunca irei responder. Se estivesse lá inteira, seria o caos. Quero prender o leitor, obrigá-lo a amar-me e sirvo-me de todos os estratagemas. A literatura é o privado e o íntimo, o autêntico, mas posso construir camadas sobre a autobiografia.” Montar uma narrativa, mesmo usando a experiência autobiográfica, não deixa de ser um trabalho ficcional, e Isabela fala de um leitor que numa sessão de apresentação do livro elogiou a sua coragem em revelar um episódio que, diz ela, não foi vivido por si: “Adorei e assumi. É tudo verdade e é tudo ficção. Uso a minha vida para construir outra vida. Estou aqui, este é o meu corpo e o meu corpo está aqui para tudo, amem-me, dêem-me pancada, façam o que quiserem.  Estou aqui para fazer barulho.” 

in, https://www.publico.pt/2016/11/25/culturaipsilon/noticia/fat-power-1751917 [consultado em 29-07-2023]

Concluindo, A gorda é um romance muito bem escrito, com uma narrativa escrita de forma original, poderosa e marcante. Li-o quando o comprei e reli-o, agora, por ter sido o livro de julho do Clube de Leitura da BM de S. João da Madeira. Das duas vezes, fiquei fã da autora.


23 de julho de 2023

SONHO PERVERSO

Sonhou matá-lo, rápida e eficazmente. Mas, como poderia fazê-lo sem deixar rasto? Urdiria uma estratégia inteligente, quase científica. Valeria a pena o risco? Tinha sido cobardemente trocada, não poderia aceitar a traição! E, se se suicidasse? Seria mais fácil, contudo a sua vida e tudo o que nela investira não teria valido a pena.

Seria esta a mentira escondida? Ninguém desconfiaria das suas lágrimas tão sentidas nem do seu perfeito álibi. Afinal, o culpado não era ele?!!! 


NOTA: Isto é o que faz andar a ver muitas séries e a ler livros policiais!

15 de julho de 2023

E A TELHA QUE TANTO ENCOBRE!

Há cá dentro, de casa e de mim, um escuro e um silêncio tão ruidosos! Assusta-me viver aqui onde não tenho chão meu, mas o espaço protege-me do mundo e opto por ficar, apesar da aparente liberdade que a porta aberta me oferece.

Invade-me o desconforto da não pertença. Não sou nem do lado de dentro, nem do lado de fora.  E assim sobrevivo, tentando ser invisível e não ocupar espaço.

E a telha que tanto encobre!

10 de julho de 2023

O QUE ACABEI DE LER

 

Há muito que não lia um livro tão compulsivamente. Uma tarde de sábado foi quanto bastou. Mulheres que não perdoam, de Camilla Läckberg, têm fortes motivos para não perdoar e levam-nos numa corrida vertiginosa até à última página. 

Os capítulos curtíssimos contribuem para essa rápida corrida, assim como a alternância das histórias das três mulheres que, não se conhecendo, urdem o plano perfeito para acabarem com os respetivos maridos que as maltratam, física e psicologicamente, as humilham, as tratam como objetos num desrespeito contínuo que nenhum ser humano pode suportar, apesar da promessa “vou amar-te para sempre”.

Um livro que não deixa os leitores indiferentes e os coloca numa posição de grande parcialidade sempre na esperança que o plano dê certo e a vingança das mulheres se concretize.

“Os bairros residenciais de vivendas eram prisões femininas sem muros, onde as mulheres permaneciam presas por obrigação ou por amor aos filhos. Ingrid não a assassinar um homem, mas libertar uma mulher. Tal como ela se libertara com a morte de Tommy.”

O romance não é, efetivamente, uma obra-prima da literatura, mas aborda temas muito atuais que são denunciados de forma crua, chocante, tal como o é a sociedade. Para tal, Camilla Läckberg inspirou-se no movimento #MeToo para deixar um recado: as mulheres não se devem resignar quando abusam delas e há formas de sair dessas situações de dor e agressão. 

É evidente que, neste livro, a forma de sair dessa situação não é a mais pedagógica, mas também não é esse o objetivo, certamente. Sendo um romance policial, o enredo superou a pedagogia. Consideremos o método usado pelas mulheres uma metáfora; nas entrelinhas, leia-se um mensagem de esperança para a solução do problema de tantas mulheres vítimas de violência doméstica.


26 de maio de 2023

DISSE-LHE NÃO!

 Não sabia porquê, mas sentia, simultânea e instantaneamente, uma atração e uma repulsa sempre que ouvia a proposta.

A expectativa, a emoção, a aventura empurravam-na para o sim. Porém, algo, não sabia o quê, fazia-a recuar. Medo do incerto, talvez! 

E, neste chove-não-molha, não se decidia. Perderia a liberdade? Deixaria de fazer o que bem entendia, ser dona e senhora de si? 

Teria de iniciar uma viagem de descoberta para saber a resposta. Não arriscou. Disse-lhe não. 


23 de maio de 2023

AS BIBLIOTECAS FAZEM A DIFERENÇA

 O mundo está cada vez mais em mudança. Mudar é a palavra de ordem. E a mudança exige coragem, determinação, resiliência, capacidade de adaptação. Há desafios a enfrentar e lembranças que se querem guardar.

A biblioteca quis fazer a diferença. Chamou os alunos que se mudaram e enfrentam o desconhecido. A ideia: integrar, deixar falar, permitir a partilha. Cada um levou um objeto-símbolo das suas vidas. Falaram, trocaram experiências e desabafos.

E nos seus olhos, muita gratidão.


21 de maio de 2023

HISTÓRIAS INSPIRADORAS

Apetece-me cortar o nariz aos Pinóquios deste mundo, a goela aos lobos vestidos de cordeiro e a língua às raposas bajuladoras. Ou, então, beber a poção mágica e dar pancada em todos.

Em alternativa, como não tenho varinha de condão, sempre poderei seguir o chapeleiro louco, cair na toca do coelho, ir viver para o País das Maravilhas. Que beleza, lá ficar a beber chá e a ler todos os livros que fazem esquecer a triste realidade.

25 de abril de 2023

25 DE ABRIL, 49 ANOS DEPOIS

Há 49 anos era eu uma miúda ignorante da vida, ignorante do mundo, a quem uma revolução veio abrir os olhos e fazer crescer no conhecimento.

Apesar de, nessa altura, já gostar de escrever, nunca me passaria pela cabeça que, hoje, teria livros publicados e, sobretudo, dois livros que, certamente, seriam proibidos e levariam uma enorme cruz azul, símbolo da censura, se a revolução do 25 de Abril não tivesse acontecido.

O primeiro a ser publicado, Do cinzento ao azul celeste, é um manifesto pela liberdade. Uma estória para os mais novos onde se fala da escola e dos professores, da liberdade e da falta dela, dos poetas, da poesia e de livros, de escritores e de cantores, de bibliotecas cheias de sol de cor e de saber. As belíssimas ilustrações da Helena Veloso levá-la-iam, também, à prisão. Iríamos juntas, numa cumplicidade de palavras e imagens.

O último a ser publicado, A vassoura que desvassourou, é uma brincadeira, mas séria, pois, à moda de Gil Vicente, “ridendo castigat mores”.

Cansada de tanto varrer, a vassoura decide fazer greve. Solidários, e também eles fartos de trabalhar, esfregões, panos, tachos, panelas, frigideira e, ainda, o galo, que prevê o seu fim num enorme tacho, juntam-se à vassoura numa manifestação tão ruidosa que deixam a velha (a dona dos objetos que explora) enloucada.

Felizmente, os Capitães de Abril tiveram a audácia, a coragem e o discernimento necessários para, hoje, podermos ler o que nos apetecer, mesmo, e sobretudo, os livros que nos abrem os olhos. Os meus começaram a ser abertos com o livro Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes, um livro proibido pela censura que, imediatamente ao 25 de Abril de 1974, passou a ser lido nas escolas.

Abençoado dia!


23 de abril de 2023

DIA MUNDIAL DO LIVRO


Sendo, hoje, o Dia Mundial do Livro, gostaria de vos falar de um, para mim muito especial. Como sua autora, desde logo se torna suspeito, mas o livro merece. Ele tem 12 histórias para contar e a sua própria história daria uma 13.ª, a que se segue.
Os dias são assim foi apresentado aos leitores no dia 6 de março de 2020 e confinou logo de seguida. O Mundo acabara de entrar numa pandemia e toda a gente se fechou em casa. E, durante dois anos, os dias foram assim, isolados, fechados, tristes. E foram canceladas todas as apresentações previstas.
Três anos passados, as histórias que ele tem para contar continuam cheias de amores e desamores, de encontros e desencontros, de lutas, fracassos, mas também de conquistas, porque os dias são assim, cheios de vidas. Umas inventadas, outras verdadeiras, outras um misto de realidade com pura ficção. E é o leitor que tentará descobrir onde está a vida real, onde está a ficção.
Boas leituras!


21 de março de 2023

MINHA LÍNGUA PORTUGUESA

O Smart watch desperta

Toca a levantar!

Que o dia está à espreita

É hora de recomeçar.

 

Sai um pequeno-almoço low-carb

Iogurte, red fruits, cereais. Que shot de vitaminas!

O bikini quer expor-se (o verão não vai tardar!)

O corpo tem de estar pronto para se mostrar.

 

Ligo a Smart TV para as notícias conhecer

Ligo o Smartphone para, no Facebook e Instagram, entrar.

Na hora de vestir, não é difícil decidir! Soutien, collant

Jeans, t-shirt, blazer, ténis e toca a andar.

 

Quase ao fim da manhã, um brunch sabe bem

A hora de almoço é curta, não há tempo a perder.

O PC ligado, Wi-fi, bluetooth em ação

Todos os gadgets sempre à mão.

 

Envio e-mails, guardo downloads na drive

Não vivo sem Internet, estar on-line é a minha live

Mas, ainda há tempo para um hobby

Adoro pedalar na bike, ser fit é o que está a dar.

 

E, à noite, cansada de trabalhar,

Guardo tempo para ler e compras fazer

Abro o tablet, leio ebooks

E, no shopping virtual, escolho o que comprar.

 

Ah! Minha querida língua portuguesa!

Como te amo, sonoro idioma!

Mas, sendo tu uma língua apaixonada,

Qual amante infiel, assim te deixas adulterar!

31 de janeiro de 2023

ESCRAVA DO TRABALHO

Tornou-se escrava do trabalho, logo, antissocial. Como deixou de conviver, os amigos passaram a ex-amigos. Claro! Se ela recusava todos os convites e arranjava grandes desculpas, completamente extraordinárias, para não sair, não valia a pena insistir.

Passou a comer apenas comida pré-fabricada, aquecida rapidamente no micro-ondas. Dormia à pressa, tinha de aproveitar todos os minutos, o chefe andava de olho nela e, como canto de sereia, a promoção atraía-a.

No dia em que não acordou, ninguém reparou!

29 de janeiro de 2023

GRITO

Nunca o vi aflito. Contudo, o texto que escreveu sobre o silêncio foi o apito, um estrépito da alma a mostrar o quanto andava inquieta. Era nítido que ele precisava de desabafar. Seria eu, uma simples professora, que ele queria como confidente? Para ter êxito (não era um caso inédito, até já cheguei a pensar mudar de profissão), teria de levar a conversa com jeito de psicóloga. Aquela aula veio mesmo a propósito. Subitamente, as palavras desabaram.

desafio Rewordit: 7 palavras terminadas em -ito, por ordem alfabética

21 de janeiro de 2023

DIA DE FORMAÇÃO - SUMMIT DE ESCRITA CRIATIVA

Hoje foi dia de formação - V Summit de Escrita Criativa  sobre textos breves - com João Manuel Ribeiro, poeta e editor da Trinta Por Uma Linha e os seus convidados.


De manhã, haikus:

No frio de janeiro

ato enroscado

e a noite aquece


A natureza nua

não se queixa

deixa que um manto branco a cubra


Na tarde citadina

peixe cansado

afogado no cinzento


De tarde, microcontos:

Hoje, o dia acabou cinzento. A alma negra e um peso enorme na cabeça não me deixavam pensar.

Que dia terrível! Que dia medonho este! Medo! Parece que o mundo desabou e, num instante lento, tentei compreender o que os noticiários gritavam com a simplicidade que não condizia com o assunto. Tinha estoirado a guerra.

BURRO!

Pesquisou no Google “formas de esconder um corpo”.

Pesquisa inocente, ninguém suspeitaria das suas intenções. Afinal, não escreveu que tipo de corpo precisaria de esconder. Caso investigassem o seu computador, logo concluiriam que seria o corpo do seu animal de estimação, recentemente falecido. Além disso, esperto, tinha apagado o histórico de navegação.

Descobriu a sua ingenuidade quando a polícia lhe invadiu a casa e o levou algemado. 

Quem o mandou comprar online a arma do crime? Burro!

Microconto inspirado numa reportagem da revista Visão

CONVERSAS SEM PUDOR

 São muitas as conversas ouvidas em locais públicos, conversas despidas de qualquer pudor. 

As pessoas falam alto, querem dar a conhecer os seus dramas, as suas desventuras ou gritar as suas emoções.

Normalmente, isto tira-me do sério. No entanto, hoje, o encontro das duas mulheres, na rua, deveria ser notícia:

- Ó Rosa, atão! Há quanto tempo!

- Tá tudo bem? A saúde vai rijinha?

E juntaram, num abraço, a alegria do encontro com a ternura da língua portuguesa.


12 de janeiro de 2023

TALVEZ NÃO SAIBAS...

Era a mim que devias uma explicação.

Talvez não saibas, mas com os olhos no chão não vês o sol que, de manhã, espreita e no mar se deita, não vês as nuvens que deslizam no azul, não vês o jacarandá que de roxo se vestiu, nem a magnólia que a primavera acordou. Sobretudo, não me vês, a mim que, ao teu lado, ignorada, fiquei invisível.

Contudo, tu continuas a olhar o chão. Eu espero a explicação!