23 de dezembro de 2012

E OS ANJOS VIERAM

ilustração de Carla Antunes

Desanimado quando perdeu o emprego, desesperado quando a mulher o deixou, em pânico quando não conseguiu pagar dívidas contraídas, decidiu fechar a vida, no dia 21-12-12, dando cumprimento à profecia do fim do mundo. Descia à terra, observado pelos rostos constrangidos dos poucos amigos que lhe sobraram. Ainda a urna não tinha pousado e o milagre aconteceu. 
Gotas caíram. Não era chuva, não era neve, não eram lágrimas. Minúsculos seres etéreos levaram-no de mãos dadas. Era Natal!

8 de dezembro de 2012

A TI, GOVERNANTE


Sou um país pequenino, simpático, cheio de luz. Pacífico e paciente por natureza, neste momento trago o semblante carregado, enrugado de preocupação e ensombrado pelo medo, dúvida e insegurança. 
A todos que me governam e governarão só peço que não me contagiem com a sua incompetência e mediocridade, que não me metralhem com decretos estapafúrdios nem apressados. 
Lembrem-se que eu sou feito de gente. 
Apontem-me o caminho certeiro, coerente, para não sentir vergonha de me chamar Portugal.


O QUE ACABEI DE LER

Para caracterizar Cafuné, o novo livro de Mário Zambujal que, num mês, chegou à segunda edição, usaria: 
Um adjetivo: divertido 
Dois nomes: humor e malandrice 
Três verbos: brincar, gargalhar, viajar (pela História de Portugal) 

Estilo inconfundível e elegante de um autor que gosta de contar peripécias de bons malandros sem que lhe fuja o pé para a chinela: “Só recorda que, sem dar por isso, toda a roupa lhe voara do corpo, aliás, digno de ser visto. Com estranheza se lembrava da passividade, feita de estupefacção, com que deixou andar, e como o bruto roncava encavalitado nela. Assim se foram os três vinténs.” pág. 88 “E também a fidalga tacteou, na zona proscrita em que um homem pode crescer de um momento para o outro.” pág. 88 
Rodrigo é um dos bons malandros, “rapaz parco de posses, se bem que rico em fantasias”. Sofre de “incontinência em matéria de mulheres” (pág. 98) pelo que não lhe escapa um rabo de saia: “Era Rodrigo um rapagão de dezassete anos incompletos mas de largo excedia a estatura do típico português da época. O defeito que se lhe apontava, se defeito podemos chamar à fisiologia de cada um, era o excesso de testosterona, manifestado com exuberância logo no estoirar da puberdade. Testosterona é nome feio e de pouca circulação coloquial. Na sua infinita sabedoria, o povo trocou por miúdos as consequências e assim nasceu o explícito vocábulo tusa.” pág. 33 “Em fase de insuportável privação, Rodrigo recorria ao afamado bordel de Deodata Nalguda.” pág. 34 
Esta sua característica vai conduzi-lo a constantes situações de fuga: “Descansado, todavia, não ficaria ele. Olhar em volta tornou-se precaução habitual, fosse pela zona de Belém ou por lugares mais afastados, como o Chiado e o Bairro Alto.” pág. 75 
No entanto, Rodrigo conhece um ex-frade que se vai tornar o seu mentor espiritual, “tão severo quanto ao uso de termos impróprios e crítico das tentações de Rodrigo, não deixava o antigo frade de estimar tudo quanto fosse beleza, quer se tratasse de flor, pôr-do-sol, quadro, poema ou mulher.” pág. 92 
Narrativa com cruzamento de tempos, cheia de analepses e prolepses: “E nem a cigana húngara que lhes lia as sinas previu que haviam de encontrar-se com um rapazola, pescador no Tejo.” pág. 73 

Um senão, quanto a mim: a personagem principal mantém-se todo o tempo igual a si própria.  Rodrigo é um mulherengo assumido e o leitor espera (pelo menos esta leitora esperou ao longo de toda a estória!) que aconteça, a determinado momento da narrativa, algo que lhe modele a personalidade leviana. Tal não acontece. 

É, no entanto, um romance bem-disposto que dispõe bem o leitor.

5 de dezembro de 2012

DEZEMBRO (E DIFICILMENTE NATAL)

“Entremos, despojados, mas entremos.
 De mãos dadas talvez o fogo nasça,
 talvez seja Natal e não Dezembro,
 talvez universal a consoada.” 

do poema "Natal e não dezembro", David Mourão Ferreira 


Definir o Natal sem usar lugares-comuns será difícil. Definir o Natal 2012, em particular, será mais difícil ainda. 
Natal já não é quando um Homem quer porque até a ilusão lhe estão a roubar. 

Natal é ajudar o próximo. Mas como, se só posso dar caridade? 
Natal é harmonia. Mas como, se não sei o dia de amanhã? 
Natal é paz. Mas como, se nasce dentro de mim a insegurança, o medo, a angústia? 
Natal é amor. Mas como, se cresce o ódio por aqueles que vivem na ignorância, na insensatez, na incompetência e na frivolidade e me querem forçar a viver também assim? 
Natal é seguir a estrela-guia. Mas como, se um nevoeiro cerrado lhe esconde o brilho? 
Natal é família. Mas como, se as famílias vizinhas não estão bem porque em suas casas há desemprego, há fome? 
Natal é alegria. Mas como, se todos os dias vejo e ouço o que me faz doer a alma?1

É dezembro e, para muitos, dificilmente será Natal. 

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1 Acabo de ver e ouvir no telejornal da RTP1: 
“Uma mulher tem cinco bocas para alimentar. Ficaria sem almoço se não lhe dessem comida, num refeitório social.” 
“Há crianças que só têm uma refeição por dia, a que comem na escola.” 
“Isabel Jonet está muito preocupada com os pedidos de ajuda social.” 
“Há muitos portugueses que não aguentam mais austeridade.”

3 de dezembro de 2012

RADIO INFORMEDIA

Sábado dia 1, a minha presença no primeiro aniversário do grupo "Voz dos sentidos" na Rádio Informedia.


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2 de dezembro de 2012

CLUBE DE LEITURA

A Biblioteca Municipal de S. João da Madeira criou um Clube de Leitura ao qual aderi. Com encontros mensais (última quinta-feira de cada mês, pelas 21h30) o grupo reúne-se em torno de um livro para troca de impressões. A primeira sessão decorreu em outubro passado e o protagonista foi Livro de José Luís Peixoto. A segunda, decorreu na passada quinta-feira e coincidiu com a apresentação do último livro de Mário Zambujal, Cafuné, na presença do autor.