30 de agosto de 2012

MARIA MAR


Ainda faltavam quatro semanas para o nascimento mas ela impôs-se. Nasceu no mar. O marulhar das ondas foi a primeira música que ouviu e que a embalou. Por isso lhe chamaram Maria Mar. Por isso o sol foi o padrinho e a lua a madrinha. Por isso, foi abençoada pelas estrelas. Também por isso, herdou a personalidade inconstante do mar. Ora calma e sossegada, ora irascível e tempestuosa, tal como o mar, viveu livremente, cheia de mistério.

desafio nº16 da Margarida Fonseca Santos (77palavras.blogspot.pt)

28 de agosto de 2012

PRAIA DA FALÉSIA, VILAMOURA - IMPRESSÕES


Quem ruma a sul, mais concretamente à praia da falésia em Vilamoura, com intenção de passar férias isoladas e silenciosas, desengane-se. Mas a confusão é compensada pela enorme biodiversidade humana. 
Gosto de me sentar na areia ou numa esplanada, frente ao mar, e observar. Além do colorido de guarda-sóis, toalhas, cestos, chapéus e biquínis que transformam a praia em múltiplos arco-íris (gosto do branco, na praia, e do amarelo, e do laranja, e do rosa fúcsia), a variedade de pessoas fascina-me. Pessoas altas e baixas, pessoas magras e gordas; corpos esbeltos e bem torneados, corpos atacados pela celulite e por gorduras indesejadas; peles brancas e peles bronzeadas; peles lisas e peles enrugadas, vincadas pelo tempo; peles secas, peles brilhantes, peles pintadas com artísticas tatuagens; cabelos curtos, cabelos compridos que se estendem costas abaixo, cabelos apanhados em longos rabos de cavalo, ausência total de cabelo em cabeças carecas. Velhos, novos, crianças e jovens. E bebés. Bebés na praia, a qualquer hora do dia. E pessoas que chegam depois do meio-dia. E pessoas que passam o dia inteiro na praia e abrem grandes lancheiras donde saem sandes, bebidas frescas e fruta. E batatas fritas, claro!
E a variedade de línguas estrangeiras misturadas promiscuamente com o português (nos seus variados sotaques e regionalismos) encanta-me. “Queres pom?” – é a pronúncia do norte no seu melhor! 
Ouve-se francês (imenso), inglês (bastante), espanhol (muito), alemão (um pouco) apesar de o jornal Expresso desta semana (18 de agosto) trazer um artigo intitulado “Turistas alemães salvam ano no Algarve” (parece que a srª Merquel os enviou para aqui, “que os pobres coitados dos portugueses estão a precisar do nosso dinheiro!”). 
Ouvem-se os pregões dos vendedores que inundam a praia e a transformam num grande centro comercial, alguns até com Multibanco. 
Passam os exuberantes brasileiros vendedores da bolinha de Berlim e da bolacha americana. 
- Olhá bolinha, chegô! Tá chamando, eu vô!
- Chora, nenem chora, que a mamãe te dá a bola! 
- Comê, comê, para crescê! 
Passam outros exóticos brasileiros vendedores de biquínis. 
- Olhó biquíni brasilero originau! 
Passam os tímidos vendedores portugueses. 
- Água, cerveja, coca-cola. 
- Bolacha americana e pastel de amêndoas! 
Passam os discretos e calados indianos vendedores de pratas e vestidos de algodão e os também discretos marroquinos carregados de pilhas de toalhas de praia, carteiras e óculos de sol. 
E o sol vai queimando. E a água fria refresca todos estes corpos, toda esta gente que veio para sul esquecer a crise enterrando-a na areia ou afogando-a no mar.


10 de agosto de 2012

MARCHA NUPCIAL

O desafio nº15 da Margarida Fonseca Santos: escolher um livro de que se goste, abri-lo ao acaso e escolher uma frase, ou parte de frase, que chame a atenção; depois, usar essa frase no texto a criar. 

Adoro Jorge Amado e a Bahia exerce uma forte atração sobre mim. Escolhi Mar morto e, abrindo o livro ao acaso, calhou o início do capítulo "Marcha nupcial".

Praia do Forte, Bahia

O casamento seria daí a doze dias e tudo estava pronto para ouvirem a marcha nupcial. Mas, o condutor embriagado destruiu o sonho. 
Dias depois, enquanto deambulava pela praia deserta, pontapeava a areia com violência, vingando os pensamentos zangados. Fixou o horizonte. Uma mulher de longos cabelos prateados, de espuma vestida, surgiu das ondas. Anjo ou sereia feiticeira? 
Foi prazer o que sentiu quando o mar lhe fustigou as pernas, depois o peito e, finalmente, o engoliu.

VIVER NUM LIVRO

ilustração de Klaas Verplancke

Somos o que lemos. Logo, passámos a fazer parte dos livros e a viver neles. Opto por Jorge Amado para viver no seu Mar morto. Porque a Bahia exerce um fascínio muito grande sobre mim; porque adoro o mar; porque é uma estória de amor de um jovem dividido entre uma mulher e o apelo de Iemanjá que o atrai para as ondas e me atrai também.

3 de agosto de 2012

ANIVERSÁRIOS


Nascemos no mesmo dia e, ontem, soprámos as mesmas duas velas. A minha filha soprou 14 anos; depois de trocadas as velas e novamente acesas, eu soprei 41. 
Agora, sentada ao meu lado enquanto conduzo, ela suspira: 
- Estou a ficar velha!
...
Deixei a mente vaguear e recuei ao verão dos meus 14 anos. Passeios de bicicleta, desfolhadas, risos; revivi, sobretudo, a libertação do país amordaçado que nos escondia o mundo. 
Velha!... Com tanto para viver e descobrir!

(desafio nº14 da Margarida Fonseca Santos, no blogue 77palavras)