27 de março de 2013

PRAIA


Ouves? 
É a onda que vem a nadar 
Vem ligeira, vem cochichar. 

Ouves? 
É a espuma que vem a dançar 
Vem com leveza, vem sussurrar. 

 Ouves? 
É o búzio que vem a cantar 
Vem de roldão, vem segredar. 

Ouves? 
Tombam abraçados 
E na areia se espraiam. 
Impudica, 
Deixa que a beijem 
E a acariciem 
E lhe sussurrem. 
Interesseira, 
É ela que ouve 
 Todos os segredos 
Que o mar tem para contar.

texto e foto de Ana Paula Oliveira

25 de março de 2013

PRIMAVERA ATRASADA


Pobre passarito abandonado na árvore nua.
Pousado sobre o ramo mais alto, espera o epílogo das suas aventuras. Sabe que a primavera está, ainda, no leito do inverno, abnegada e lânguida. Dona do tempo, nada a arrelia. Nem mesmo chegar atrasada. Virá quando quiser ou o inverno a desabraçar. E o passarito, perdido e sem voz, espreita-a.
Árvore solitária, envergonhada da nudez; pássaro silencioso. Duas solidões, caladas e pacientes, esperam que se abra a porta do tempo.



desafio nº38 da Margarida Fonseca Santos:
  • escrever uma frase que tenha entre 5 e 8 palavras. 
  • dividir as letras duas a duas, independentemente de fazerem ou não parte da mesma palavra!
  • distribui-las noutras palavras, ao longo do texto.

24 de março de 2013

O QUE ACABEI DE LER


Luísa, Alda, Duarte. Três vidas que se cruzam, entrecruzam e enredam. Fios tecidos num nó que se aperta, à medida que a narrativa avança, e se torna cada vez mais difícil de desatar. 
Alda não vive o presente, finge; agarrada a um passado recente, recusa sair da vida do marido precocemente falecido e desperdiça a sua vida no álcool. 
Duarte esconde um passado (também desperdiçado no álcool), para viver o presente sóbrio mas sem coragem para entrar na vida de Luísa. 
Luísa quer entrar na vida dos dois e sofre porque ambos enfrentam problemas que os impedem de entrar na sua.  
Um livro intenso que põe a nu o sofrimento das pessoas que vivem na dependência mas também daqueles que as rodeiam e tentam ajudar. Um livro que se agarra ao leitor. Um hino à amizade.
“Disseste que devemos escrever as falhas dos nossos amigos na areia.
Citavas Pitágoras, e eu fiquei impressionado.
Perguntei-te se seria à beira-mar, e tu, muito convicta, reforçaste a ideia.
- Claro!
Depois, reflectiste:
- Em qualquer sítio, no deserto, nas dunas, o efeito é o mesmo. Desaparecem, é isso que devemos fazer às falhas dos nossos amigos.” (pág.136)

21 de março de 2013

SÓ NO MUNDO

Estou só no mundo desde ontem. Morreste-me no momento em que decidiste viver no longe. Ontem, o sol escondeu-se. Como se um míssil tivesse explodido e destruído o indestrutível. 
Que vento perverso se intrometeu entre nós e rompeu o nó? Que espero eu, neste sítio onde nos vimos e conhecemos e prometemos e decidimos e…? 
O universo ficou oco. Deserto. Eu no meio. Só. Fugi. Fechei o meu mundo e levei um enorme inverno nos olhos plúmbeos.

desafio nº37 da Margarida Fonseca Santos: escrever sem a letra A.

20 de março de 2013

O QUE ACABEI DE LER


No diário de uma menina, que leva um jardim enorme na cabeça e dança com a língua à volta das palavras, entrou a primavera, entraram flores e borboletas, entraram palavras, lisas e macias como seixos, atiradas aos pombos. Entrou a poesia. Entrou a luz (num livro a preto e branco) e entrou a vida.
Melhor do que falar do livro é ler as suas palavras. Este é, seguramente, o livro do ano.

9 de março de 2013

MAR

Não sei que fascínio exerces sobre mim, ó mar!
Bastou ver-te, ouvir-te e respirar-te
Nem foi preciso tocar-te
Mas roubaste toda a minha agitação
Que ficou guardada em ti.





fotos tirada, hoje, em Espinho

1 de março de 2013

INVERNO


A árvore nua
estende os seus braços ao céu, em súplica.
- Vem-me vestir, primavera!