31 de janeiro de 2021

O HOLOCAUSTO NA LITERATURA

 Texto escrito para a revista online A Casa do João.


27 de janeiro, dia do aniversário da libertação do Campo de Concentração e Extermínio Nazi de Auschwitz-Birkenau, é dia de lembrar que milhares de pessoas foram vítimas da intolerância levada a extremos.

Uma data que não deveria existir. No entanto, o Holocausto existiu. E, por ter existido, não pode ser esquecido. Não lembrar o passado é um passo para o repetir.

Foram assassinadas milhões de pessoas em nome da pureza da raça ariana, vítimas da sofreguidão de um homem. Hitler chegou ao poder legitimamente com promessas que convenceram. E destruiu a Europa.

Analisando o estado do mundo atual, tudo leva a crer que a História se pode repetir. Os ditadores andam aí, mais ou menos disfarçados de salvadores da pátria, e a enorme crise, desencadeada por uma situação de pandemia, faz os mais crentes (leia-se ingénuos, ignorantes, ou simplesmente cansados da política e dos políticos) acreditarem que, realmente, irão mudar o mundo assim que chegarem ao poder. Engano perigoso!

Há uma urgência em criar mais humanidade. O Holocausto é o exemplo de um período negro de desumanidade, de atrocidades, de violações constantes dos direitos humanos. Um exemplo que gente de bem não quer repetir. O Holocausto existiu. Não foi inventado por escritores nem por realizadores.

Sempre acreditei que a literatura, e as artes em geral, a par da História, poderiam humanizar o Mundo. E continuo a acreditar. Mas, para isso acontecer, teriam de ser “consumidas” por todos.

Costumo dizer aos meus alunos que toda a gente, sem exceção, deveria ler, pelo menos, um livro sobre o Holocausto. E visitar os campos de concentração na Polónia. Para perceber o que se passou. Para saber o que é ter, verdadeiramente, fome, sede e frio. E saudade! Para saber o que é estar doente e não ter direito nem a assistência médica nem a medicamentos. Para sentir os maus odores. Para sentir a dor da separação, do cativeiro e da tortura. Para sentir o desespero e o medo. Para se lembrar que, mais do que nunca, se torna necessário combater o antissemitismo, o racismo e quaisquer outras formas de intolerância que possam levar à violência. Para não seguir discursos de extremistas que apenas conduzirão, mais tarde ou mais cedo, à destruição da democracia e da paz.

Para isso, e na impossibilidade de viajar, é preciso ler. Os livros dedicados ao tema do Holocausto levam-nos a um passado recente de terror, de barbárie e desumanidade. Lendo-os, temos a obrigação de aprender e impedir que a História se repita.

Os livros e filmes que abordam o tema do Holocausto são muitos e têm vindo a proliferar. Todos chocantes. Todos emocionantes. Todos capazes de levar à reflexão. Todos bons exemplos daquilo que não se deve repetir. Nunca mais!

De entre tantos, saliento e aconselho quatro autores que têm escrito recorrentemente sobre o Holocausto:

Primo Levi participou na Resistência, foi preso e internado no campo de concentração de Auschwitz. Notabilizou-se pela autoria de vários livros sobre a experiência naqueles campos, uma experiência que o marcou profundamente. De acordo com as suas próprias palavras, o seu símbolo “é a tatuagem que até hoje trago no braço: o meu nome de quando não tinha nome, o número 174517. Marcou-me, mas não me tirou o desejo de viver. Aumentou-o, porque conferiu uma finalidade à minha vida, a de dar testemunho, para que nada semelhante alguma vez volte a acontecer. É esta a finalidade que têm os meus livros.»

Entre os seus títulos encontram-se Se isto é um homem, Assim foi Auschwitz, escrito com Leonardo De Benedetti, Se Não Agora, Quando?, Os Que Sucumbem e os Que Se Salvam.

Morris Gleitzman (o seu site pode ser consultado em https://www.morrisgleitzman.com/) é um autor com vários livros cujo tema é o Holocausto. Um dia, Em breve, Depois, A seguir, Talvez são cinco dos títulos publicados e dirigidos a um público juvenil para que entenda os horrores da guerra.

João Pinto Coelho, um autor português, e um dos vencedores do prémio Leya, também se tem dedicado ao tema do Holocausto através de uma visão original e criativa. O seu último livro Um tempo a fingir, foi publicado recentemente e vem na sequência dos anteriores Perguntem a Sarah Gross e Os loucos da rua Mazur.

Ilse Losa nasceu na Alemanha. Por ser judia, viu-se forçada a sair do seu país pelo que se refugiou em Portugal, onde casou, adquirindo a nacionalidade portuguesa.

O mundo em que vivi, Rio sem ponte, Sob céus estranhos, e alguns contos integrados em Caminhos sem destino são as obras publicadas que retratam o Holocausto.

Para concluir, e como é de pequenino que se aprende, destaco o meu livro de eleição, dirigido a um público infantil, aquele que não me canso de ler aos meus alunos, tenham eles a idade que tiverem, aquele que me embarga a voz e me humedece os olhos sempre que o leio, aquele que deveria estar em destaque em todas as bibliotecas do mundo: Fumo, de Antón Fortes, com belíssimas e intensas ilustrações de Joanna Concejo, da editora OQO.


30 de janeiro de 2021

LER NUMAS QUANTAS PALAVRAS

Vai valer a pena partir aceleradamente, com todos os sentidos alerta, e descobrir o mundo.

Viajar numa galera, mar afora.

Explorar galerias labirínticas por entre rochas e grutas.

Voar pelos ares numa vassoura mágica.

Perder-se por aí, sentir cores e sabores, sons e ritmos.

Ouvir os silêncios. E até alguns gritos.

Descobrir a beleza das histórias. Ler. Reler

A solidão é intolerável. Os livros têm gente dentro, trazem o mundo para dentro de cada um de nós.

Desafio nº 232 – 8 vezes LER


2 de janeiro de 2021

ANO NOVO

Já nada é como era.

Não quero fotos, não quer registos, não quero recordações.

Quero esquecer. Apagar da memória um ano que vai ficar na História. Gravado para não ser esquecido. Mas eu quero esquecer.

Um ano que mal deixou tempo para sentir a primavera, o verão, o outono. E o inverno chegou e tudo continuou. Mas, todos nós mudamos. Já não somos os mesmos. Já não pensamos da mesma maneira. Já não encaramos a vida da mesma forma. A pandemia mudou o mundo, mudou cada um de nós.

Custa lembrar todos os que partiram. Custa lembrar as festas adiadas. Custa ter de fugir ao abraço. 

Custa não ver as pessoas cara a cara. Custa sentir os sorrisos prisioneiros por trás da máscara. Custa estar constantemente a lembrar que há regras para cumprir. Custa sentir que a liberdade está a escapar. E custa não ser capaz de transgredir, arriscar e viver como se nada se passasse. 

Custou enfrentar o Natal. Contra tudo, o Natal chegou. E, com ele, o mesmo brilho das luzes, o mesmo glamour da mesa, os mesmos odores da canela e do açúcar. O mesmo estralejar do óleo a fritar. Os mesmos embrulhos das prendas que, há muito, deixaram de ser surpresa.

Mas, a alegria não é a mesma. São anos de tradições, de festa e de canções. São anos de cumplicidades e de partilhas. Tudo quebrado!

E os cacos vão ser difíceis de apanhar e de colar. Mesmo colados, se for o caso, as cicatrizes vão lá estar. E doem. 

Hoje é ano novo. E parece que é tudo novo mesmo. Por ser diferente. Não há nada do que era habitual. Não há roupa nova, a roupa velha tem primazia. Não há unhas arranjadas. É dia de ir para a cozinha. Não me lembro de ter de cozinhar no Ano Novo. Não há a canja que cada um come à medida que vai chegando. Não há rabanadas nem bilharacos. E a comida vai para a mesa sem exageros. Come-se menos. Não há conversas nem risos partilhados com as irmãs. Mas há um cão que tem de ser levado a passear à rua, deserta. Não há brindes com champagne.  Mas há gavetas arrumadas. Não há abraços nem beijos de Feliz Ano Novo! O ano está a começar mesmo novo, sem tradições. Quanto a feliz…