30 de julho de 2020

E AGORA?

 O teste deu positivo! E agora?

Agora tinha um caso bicudo para resolver.

Como iria dar a notícia ao seu pequeno mundo, tão fechado, onde se guardavam todas as distâncias? Como foi possível ter-se deixado cair em tentação?  Como se esquecera dos votos?

Não resistira a uns insinuantes olhos azuis, nem a umas mãos maliciosas entranhadas nos seus longos cabelos. Estremeceu.

E agora?

Iria deixar cair a máscara de santa e ficar com a criança nas mãos.

Desafio nº 215 - 7 palavras obrigatórias


21 de julho de 2020

Ano 2020

Número duplamente par.

Número redondo.

Número sonante, aliterado. 

2020 tinha tudo para ser um ano perfeito.

No entanto, não só não está a ser perfeito (e meio ano já está passado!), como se cobriu de feias cicatrizes (acho que não há cicatrizes bonitas!).

O Coronavírus transporta consigo um conjunto de mazelas que, dificilmente, passarão e deixarão marcas profundas na sociedade.

A saúde ficou comprometida. A economia ficou de rastos. As aulas à distância, cansativas, pouco produtivas, deixaram as escolas viradas do avesso. As paciências e tolerâncias esgotaram-se. Penso que, neste momento, já ninguém tem fé no “vai ficar tudo bem”.

As máscaras tornaram-se um acessório de moda obrigatório. Na rua, nas lojas, as pessoas parecem cães açaimados. Já não há sorrisos. Não se veem!

No meio de tantas mortes, este foi o ano da morte de gente que me toca particularmente. Os escritores Luís Sepúlveda, Carlos Ruiz Zafon, Rubem Fonseca. Os atores (tão jovens!) Filipe Duarte e Pedro Lima. O amigo Carlos Faria.

Este foi o ano do lançamento do meu último livro, Os dias são assim. E os dias ficaram assim, a partir de 13 de março. Parados, sem gente nas ruas, sem gente nas escolas, sem gente nos espaços culturais. Como tal, o livro teve o primeiro lançamento e as sessões marcadas que se seguiriam foram canceladas. Frustração!

Julho a acabar e as cicatrizes continuam. Filha em layoff. Marido com um episódio de amnésia global transitória passa um dia no hospital. Dia de stress e, sabe-se lá, quantos mais dias de stress virão à espera de novos episódios!

E tantos outros dias à espera, na indecisão do que será o próximo ano letivo. Setembro aproxima-se e todos estão conscientes das dificuldades e das provações que aí vêm.

Férias marcadas, mas cheias de restrições.

Adivinha-se um reforço da pandemia no outono.

A primavera não se sentiu e o verão…. Veremos!

O mundo precisava urgentemente de tomar o rumo da solidariedade, da igualdade e da inclusão. Veio uma pandemia à escala mundial e as diferenças acentuaram-se assustadoramente. 

Um ano que tinha tudo para ser perfeito tornou-se um Frankenstein medonho que todos querem eliminar das suas vidas. Gostaria de ter um corretor bem possante que o apagasse. Porque não há antirrugas que lhe disfarcem as cicatrizes.


12 de julho de 2020

DESENRAIZADA

Gemeu quando a cortaram, mas os seus gemidos foram em vão. Ninguém a ouviu (ou ninguém a quis ouvir!). O destino estava traçado e, em breve, a árvore seria uma peça de mobiliário ou o chão de uma casa qualquer.

Então, ousou sonhar. Não queria que lhe matassem a alma e só haveria uma forma de continuar viva. Desenraizada da terra, desejou ser transformada num barco. Enraizar-se-ia no mar, viajaria, veria mundo e poderia continuar a sorrir.