31 de julho de 2014

ILUSÃO

A Margarida Fonseca Santos não para de nos desafiar. Desta feita, o desafio nº71 consiste em escrever um conto começando com uma frase de duas palavras e ir aumentando uma palavra em cada frase, sendo que a última terá 12 palavras (e o texto 77, claro!)


Acordei cedo.
Invisível, mas acordei.
Mansamente, soprei-lhe ao ouvido.
Oportunidade única para me aproximar.
Tanto gostaria de reatar laços desatados!
Pousei-lhe terno e frágil beijo no pescoço.
Estremeceu, tocado por essa brisa imaterial, levemente soprada.
Foi como música que lhe fez dançar as emoções.
Sonhei ou delirei quando flutuámos, ambos, nas nuvens de seda?
Atravessámos fronteiras, entre o céu e a terra, e acordei definitivamente.
Tão amarga se tornou a fantasia, em fumo se desfez minha ilusão!

29 de julho de 2014

ESQUECER O PASSADO



Afogara-se. Primeiro no êxito de uma carreira de sucesso; depois, no álcool. Ela não suportou a descida aos infernos, nem tentou compreender os seus motivos. Foi mais fácil fugir. 
Lembrava-se da luta travada no tribunal: palavras azedas trocadas, roupa suja esfregada, vidas negociadas não mais reconstruídas. 
Agora, ali, no atalho da sua vida, experimentando saudades, tentou apagar o passado mas as memórias não o largavam. Voltou a beber, para se distrair. 
Então, esquecido, deambulou sozinho, vereda fora.

16 de julho de 2014

UMA SUGESTÃO PARVA, OU COMO AS TECNOLOGIAS PODEM ALIMENTAR OUTRAS IDEIAS PARVAS

imagem retirada daqui
O Ministério da Educação quer que as escolas passem a ser da competência das Câmaras Municipais. E mais. Segundo notícia publicada no Público, “premeia as câmaras que trabalhem com um número de docentes inferior ao tido como necessário para o respetivo universo escolar.” 
Ora, então, cá fica a ideia para as Câmaras Municipais ganharem muito dinheiro. 
Se eu fosse presidente de CM, haveria de arrecadar o maior prémio pois contrataria, apenas, um professor por disciplina. Este daria as suas aulas via skype a todos os alunos do concelho, em suas casas, muito sossegadinhos, e fecharia todas as escolas o que seria, também, uma grande poupança em eletricidade, água, gás, telefone e materiais escolares. Para quê enfiá-los em salas de aula cheias de gente e de micróbios, com vários professores a passarem-lhes diante dos olhos e a dizerem coisas que não querem ouvir? Munir os alunos com um PC ou um tablet sairia sempre mais barato que pagar a centenas de professores, assistentes operacionais e pessoal administrativo e evitaria conflitos, indisciplina e outras coisas que tais que fazem perder muito tempo e não permitem ensinar/aprender, o principal objetivo do ensino. Para controlar a turma, o Ministro da Educação sugere aos professores que “o caminho fundamental é incentivar à disciplina”. Ora aí está. Aulas em casa. Sentadinhos frente a um ecrã, os alunos são, todos, umas joias! Não há hiperatividade nem défice de atenção que resistam. 
Outra ferramenta para se chegar aos alunos, útil, eficiente e altamente produtiva, é o Facebook. Acabaria o absentismo, assim como o abandono escolar, pois os alunos não largam os dispositivos móveis, logo, estão sempre presentes. E a matéria aí postada seria sempre do seu agrado pois só é possível fazer likes, mesmo que detestem, ou não concordem com o que está escrito. 
Como, segundo dizem as más línguas, os alunos não gostam de escrever, nem de ler, mas estão todos nas redes sociais, o twitter seria o meio ideal para os trabalhos de escrita: 140 carateres, “tout court”, o que também daria pouco trabalho a corrigir. Os jovens não leem? Claro que leem! Tudo o que está na Internet e em suporte digital. Os jovens são nativos digitais, logo, deem-lhes tecnologias. Os professores contratados pela Câmara Municipal (um por disciplina para todo o concelho, não convém esquecer!) fazem uns filmezitos com meia dúzia de tretas, publicam-nos no youtube e os alunos veem-nos. Eles estão lá, sempre atentos! Por sua vez, os jovens também gostam muito de fazer filmes. Vão fazendo alguns, onde mostram o desenvolvimento das suas aprendizagens, e os professores vão-se entretendo a vê-los e a colocar likes (o novo modelo de avaliação), sempre sai mais barato do que ir ao cinema. 
O papel do professor do século XXI mudou, convenhamos. A sociedade mudou, os jovens mudaram. Para quê manter a escola do século XIX? O Ministério da Educação tem visão futurista. Se as Câmaras Municipais quiserem estar muito à frente e ganhar muito dinheiro… é só colocar esta ideia em prática.
Quanto aos alunos, que se danem. Serem tratados como robôs não é problema. Quanto aos professores, que se danem. Que emigrem! Quanto às escolas que fecham, temos pena! Sempre poderão ser recuperadas para turismo e, assim, darão lucro. O que conta são as finanças do país!

5 de julho de 2014