31 de janeiro de 2023

ESCRAVA DO TRABALHO

Tornou-se escrava do trabalho, logo, antissocial. Como deixou de conviver, os amigos passaram a ex-amigos. Claro! Se ela recusava todos os convites e arranjava grandes desculpas, completamente extraordinárias, para não sair, não valia a pena insistir.

Passou a comer apenas comida pré-fabricada, aquecida rapidamente no micro-ondas. Dormia à pressa, tinha de aproveitar todos os minutos, o chefe andava de olho nela e, como canto de sereia, a promoção atraía-a.

No dia em que não acordou, ninguém reparou!

29 de janeiro de 2023

GRITO

Nunca o vi aflito. Contudo, o texto que escreveu sobre o silêncio foi o apito, um estrépito da alma a mostrar o quanto andava inquieta. Era nítido que ele precisava de desabafar. Seria eu, uma simples professora, que ele queria como confidente? Para ter êxito (não era um caso inédito, até já cheguei a pensar mudar de profissão), teria de levar a conversa com jeito de psicóloga. Aquela aula veio mesmo a propósito. Subitamente, as palavras desabaram.

desafio Rewordit: 7 palavras terminadas em -ito, por ordem alfabética

21 de janeiro de 2023

DIA DE FORMAÇÃO - SUMMIT DE ESCRITA CRIATIVA

Hoje foi dia de formação - V Summit de Escrita Criativa  sobre textos breves - com João Manuel Ribeiro, poeta e editor da Trinta Por Uma Linha e os seus convidados.


De manhã, haikus:

No frio de janeiro

ato enroscado

e a noite aquece


A natureza nua

não se queixa

deixa que um manto branco a cubra


Na tarde citadina

peixe cansado

afogado no cinzento


De tarde, microcontos:

Hoje, o dia acabou cinzento. A alma negra e um peso enorme na cabeça não me deixavam pensar.

Que dia terrível! Que dia medonho este! Medo! Parece que o mundo desabou e, num instante lento, tentei compreender o que os noticiários gritavam com a simplicidade que não condizia com o assunto. Tinha estoirado a guerra.

BURRO!

Pesquisou no Google “formas de esconder um corpo”.

Pesquisa inocente, ninguém suspeitaria das suas intenções. Afinal, não escreveu que tipo de corpo precisaria de esconder. Caso investigassem o seu computador, logo concluiriam que seria o corpo do seu animal de estimação, recentemente falecido. Além disso, esperto, tinha apagado o histórico de navegação.

Descobriu a sua ingenuidade quando a polícia lhe invadiu a casa e o levou algemado. 

Quem o mandou comprar online a arma do crime? Burro!

Microconto inspirado numa reportagem da revista Visão

CONVERSAS SEM PUDOR

 São muitas as conversas ouvidas em locais públicos, conversas despidas de qualquer pudor. 

As pessoas falam alto, querem dar a conhecer os seus dramas, as suas desventuras ou gritar as suas emoções.

Normalmente, isto tira-me do sério. No entanto, hoje, o encontro das duas mulheres, na rua, deveria ser notícia:

- Ó Rosa, atão! Há quanto tempo!

- Tá tudo bem? A saúde vai rijinha?

E juntaram, num abraço, a alegria do encontro com a ternura da língua portuguesa.


12 de janeiro de 2023

TALVEZ NÃO SAIBAS...

Era a mim que devias uma explicação.

Talvez não saibas, mas com os olhos no chão não vês o sol que, de manhã, espreita e no mar se deita, não vês as nuvens que deslizam no azul, não vês o jacarandá que de roxo se vestiu, nem a magnólia que a primavera acordou. Sobretudo, não me vês, a mim que, ao teu lado, ignorada, fiquei invisível.

Contudo, tu continuas a olhar o chão. Eu espero a explicação!