8 de dezembro de 2012

O QUE ACABEI DE LER

Para caracterizar Cafuné, o novo livro de Mário Zambujal que, num mês, chegou à segunda edição, usaria: 
Um adjetivo: divertido 
Dois nomes: humor e malandrice 
Três verbos: brincar, gargalhar, viajar (pela História de Portugal) 

Estilo inconfundível e elegante de um autor que gosta de contar peripécias de bons malandros sem que lhe fuja o pé para a chinela: “Só recorda que, sem dar por isso, toda a roupa lhe voara do corpo, aliás, digno de ser visto. Com estranheza se lembrava da passividade, feita de estupefacção, com que deixou andar, e como o bruto roncava encavalitado nela. Assim se foram os três vinténs.” pág. 88 “E também a fidalga tacteou, na zona proscrita em que um homem pode crescer de um momento para o outro.” pág. 88 
Rodrigo é um dos bons malandros, “rapaz parco de posses, se bem que rico em fantasias”. Sofre de “incontinência em matéria de mulheres” (pág. 98) pelo que não lhe escapa um rabo de saia: “Era Rodrigo um rapagão de dezassete anos incompletos mas de largo excedia a estatura do típico português da época. O defeito que se lhe apontava, se defeito podemos chamar à fisiologia de cada um, era o excesso de testosterona, manifestado com exuberância logo no estoirar da puberdade. Testosterona é nome feio e de pouca circulação coloquial. Na sua infinita sabedoria, o povo trocou por miúdos as consequências e assim nasceu o explícito vocábulo tusa.” pág. 33 “Em fase de insuportável privação, Rodrigo recorria ao afamado bordel de Deodata Nalguda.” pág. 34 
Esta sua característica vai conduzi-lo a constantes situações de fuga: “Descansado, todavia, não ficaria ele. Olhar em volta tornou-se precaução habitual, fosse pela zona de Belém ou por lugares mais afastados, como o Chiado e o Bairro Alto.” pág. 75 
No entanto, Rodrigo conhece um ex-frade que se vai tornar o seu mentor espiritual, “tão severo quanto ao uso de termos impróprios e crítico das tentações de Rodrigo, não deixava o antigo frade de estimar tudo quanto fosse beleza, quer se tratasse de flor, pôr-do-sol, quadro, poema ou mulher.” pág. 92 
Narrativa com cruzamento de tempos, cheia de analepses e prolepses: “E nem a cigana húngara que lhes lia as sinas previu que haviam de encontrar-se com um rapazola, pescador no Tejo.” pág. 73 

Um senão, quanto a mim: a personagem principal mantém-se todo o tempo igual a si própria.  Rodrigo é um mulherengo assumido e o leitor espera (pelo menos esta leitora esperou ao longo de toda a estória!) que aconteça, a determinado momento da narrativa, algo que lhe modele a personalidade leviana. Tal não acontece. 

É, no entanto, um romance bem-disposto que dispõe bem o leitor.

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