21 de março de 2020

DIÁRIO DE UM TEMPO DE MEDO IX

Não, não estamos todos felizes por estarmos em casa resguardados com a família.
Não, não estamos todos felizes, como queremos fazer crer nas redes sociais mostrando as nossas fotos de pãozinho acabado de cozer, de bolos saborosos acabados de fazer, de pratos cheios de imaginação acabados de criar. Eu faço-o!
Estou certa que os psicólogos e os sociólogos terão resmas de materiais para análise. Irão surgir resmas de teses sobre o que cada um de nós tenta fazer para transparecer que está tudo bem. 
Tudo para nos iludirmos e alimentarmos a esperança. Porque as coisas não estão bem. Há uma ameaça a sobrevoar-nos. E não adianta convencermo-nos que o Covid19 (ou o raio que o parta!!!) traz coisas boas que não faríamos se ele não tivesse vindo assombrar as nossas existências.
Sim, estou mais tempo com a família nuclear, mas não estou com a restante.
Sim, visto roupa que já não vestia há séculos, mas não visto a mais recente, nem compro nova, nem vou à cabeleireira, que está sem trabalho, nem tenho a funcionária a limpar-me a casa porque também ela está em casa, sem trabalhar.
Sim, não aturo presencialmente os alunos, mas tenho saudades deles e dos debates e do contacto direto com eles na biblioteca. Sim, porque nem todos tiveram tempo de se precaverem e de irem buscar os livros que estão à espera de serem lidos, nas bibliotecas encerradas.
Sim, os professores descobriram as milhentas ferramentas tecnológicas que existem para darem aulas à distância, mas não tiveram tempo de se organizarem para que o trabalho fosse gerido em articulação e muitos nem tempo tiveram para aprender a dominá-las.
E tudo o que passamos nas redes sociais não passa de uma forma de nos iludirmos. 
Eu também tento iludir-me. Hoje vesti um vestido, pus uns brincos, pintei os lábios e fui para o terraço ver a banda passar. Mas não passou!

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