2 de maio de 2020

DIÁRIO DE UM TEMPO DE MEDO XLVI

Fim de semana prolongado graças ao feriado 1 de maio que se viveu ontem. 
Vamos passar de estado de emergência para estado de calamidade e o desconfinamento vai começar a ser feito gradualmente. MEDO!

Finalmente um tempinho extra para escapar do computador e fazer frente aos armários. Parece que a primavera, que tinha chegado e virado costas, vai voltar de vez. Então, chegou a hora de rever os armários da roupa e do calçado. 
Devo estar a ficar maluca, depois de tanto tempo em casa e de tanta tecnologia. Não é que a roupa e o calçado começaram num diálogo acusatório que me deixou incomodada?
- Não percebo por que carga de água vem ela agora incomodar-nos com arrumações se, até aqui, não nos tocou! - reclamaram os vestidos.
- Sim! Temos estado aqui enfiadas, sem uso, sem qualquer préstimo, a ganhar pó e a correr o risco de passarmos de moda e ela não nos usa - queixaram-se as túnicas sacudindo as rendas.
- E nós? Enchemos três cruzetas e, apesar de sermos tão práticas, raramente daqui saímos. Ela diz que  passa muito tempo sentada e que nós lhe apertamos os movimentos - barafustaram as calças.
- Sorte a nossa! - regozijaram-se as leggings. - Nós, que raramente saíamos do armário, agora andamos num rodopio. Ela não gosta de nos usar, diz que fica um pipo, mas, agora, não tem outro remédio. Só nós a fazemos sentir-se confortável e, assim, logo de manhã, mal se levanta, fica pronta para a hora do pilates ou do yoga.
- Nós só saímos da gaveta duas vezes por semana, quando ela vai dar aula por videoconferência - constataram as camisolas.
 - É da maneira que nós saímos mais vezes - regozijaram-se as tshirts.
- Vede o que eu senti quando ela me vestiu, para ir dar aula, e,  logo de seguida, combina-me com umas leggings manhosas! - disse irritada uma túnica de seda com peito de renda.
- E, se não sois vós a sair do armário, somos nós. Conforto maior não há! - desta vez foram os pijamas a falar, inchados de orgulho.
- E nós, aqui arrumados a ganhar bolor? - gritaram, desanimados, os sapatos e as botas, do alto dos seus saltos altos. - Quando ela voltar a usar-nos vai dar cada tralho! Estamos convencidos que ela já não se aguenta em cima dos nosso saltos.
- Fazemos nossas as palavras das leggings: sorte a nossa, que raramente saíamos do armário e agora fazemos moda - disseram as sapatilhas, cheias de orgulho.
- Mas, lembrem-se disso, os mais confortáveis e mais usados ainda somos nós, agora e antes desta pandemia - disseram os chinelos. - Já éramos nós que lhe descansávamos os pés dos vossos saltos castradores, assim que entrava em casa. Só nos lamentamos de estarmos a ficar velhos, de tão usados e de tão lavados. Estamos convencidos que, brevemente, seremos substituídos!
- Eu nem digo nada! - queixou-se uma saia-calça de seda, totalmente virgem. - Fui comprada um pouco antes do confinamento e fiquei aqui confinada neste armário, sem vos conhecer, sem uso, sem saber o que é sentir o vento, a chuva ou o sol. Fui comprada e nunca usada. No entanto, tenho esperança que amanhã, como é o Dia da Mãe, possa ser usada e perder a minha virgindade! Mas, se ela me usa e me combina com os chinelos, estará o caldo entornado!!!
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Não! Estou a sonhar, só pode. Não estarei assim tão maluca. Vou sair, dar uma volta ao quarteirão e respirar ar puro! Uma semana inteira de chuva e frio metida em casa não pode dar bom resultado!!!!


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