10 de maio de 2020

DIÁRIO DE UM TEMPO DE MEDO LI

E não é que as roupas voltaram a pregar-me uma partida e continuam a criticar-me? Já não há paciência! E, hoje, mais alguém se juntou à conversa. Ela vai linda, vai!

- Invejosas! Foi fim de semana, o sábado foi de festa, aniversário da filha dela, já era tempo de sairmos do guarda-roupa para arejar! - exclamaram as calças de couro verde e a blusa de seda em simultâneo.
- Invejosas, nós?! - gritaram as leggings, ofendidas. - Então não temos sido nós as eleitas, as mais usadas? Inveja de quê? Mas lá que era escusado termos ficado fechadas todo o fim de semana, lá isso era!
- Gaba-te, cesta, que vais à vindima! - exclamou um dos vestidos, o mais vaidoso. - Não fosse a chuva e trovoada de sábado, vocês veriam quem teria saído do armário para a festa de aniversário. Teria sido um de nós, certamente!
- Ou eu! disse a saia castanha de seda. - Afinal, continuo aqui, tão virgem como no dia em que fui comprada!
- Pois! Hoje saímos e fomos bem testadas - ironizaram as calças de ganga, as mais justas do armário. - Ela quis pôr-nos à prova, que é como quem diz, pôr-se à prova. Já que deu folga à balança, nós é que a avaliamos. Vá lá! Coubemos bem, pelos vistos não a apertamos muito dado que passou o domingo sentada frente ao computador, sem nos despir, e não se queixou de apertos.
- Vós falais, falais, e nós aqui a ouvir. Chegou a hora da nossa reivindicação! - exclamaram tristemente os aventais. - Mesmo num fim de semana de bolos, pão e várias refeições, nós não saímos da gaveta! Cup cakes de chocolate e de baunilha, bolo de cenoura, pão de água, sopa, bolonhesa, frango assado... e nós quietos, sem uso. A culpa é da Bimby que tem trabalhado sem parar e não suja! E, como vós, ó chiques, não tendes saído do armário, nós não fazemos falta para vos proteger! Não há direito!
- Contentem-se com a nossa sorte! Nós continuamos sem uso, sem respirar, fechadinhos nas caixas. As sapatilhas continuam a combinar com tudo, mesmo com as roupinhas do fim de semana, agora tão vaidosas, mas, não tarda nada, estão arrumadas novamente - sopraram os sapatos do interior das caixas onde vivem enterrados há dois meses.

Pronto! Chega! Recuso ouvi-los mais!

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