14 de fevereiro de 2020

DIGO AMOR E JÁ NÃO CORO

Digo amor e já não coro.
Corava quando me corrias atrás.
Agora, envelheço.
Olho-me (malfadado espelho!!!). Assusto-me.
Mas já não coro.
As manhãs despreocupadas desapareceram.
Hoje, a alma dói.
Primavera partida. Inverno chegado.
E faz frio.
Transportámos tantos sonhos. Esfumaram-se...
Impossível manter-te ao meu lado, agora que já não coro.
Outros caminhos levaram-te.
Eu fiquei. Aqui. Sem cor.

(3º lugar "Poesia na corda", S, João da Madeira, março 2018)





13 de fevereiro de 2020

TEMPO

Na época em que eu tinha tempo
para ter tempo
deixei que o tempo passasse
e, a contratempo, o tempo passou
inflexível
inexorável
e não voltou

Agora sei
que lutei contra o tempo
que não o deixei andar devagar
que fui descuidada, apressada
deixei-o passar!

Agora que não tenho tempo
porque ele passou
e não voltou
agora sei
que a vida não é mero passatempo

 Agora que queria ter tempo
(nem que fosse para o prender num poema)
do tempo sairei

Agora que o tempo já nem tempo é
vão-se a vida e o tempo…
 (2º lugar "Poesia na corda", S, João da Madeira, março 2019)

15 de janeiro de 2020

FOI TÍTULO NO JORNAL

2019 acabara como começara. Com desconfianças e insultos. Com incompreensões e agressões. 
Ano novo, vida nova. Como ela acredita nisto!!!! 
Dia um de janeiro. Dia Mundial da Paz. Repentinamente, o silêncio quebra-se. Ouvem-se gritos, palavras agressivas. Choro entrecortado por lamúrias. Depois um estrondo. Talvez de corpo tombado.
Todo o prédio ouviu. Todos sentiram forte arrepio. Não, não era frio. Era pavor. Nenhum se manifestou, porém. Entre marido e mulher…
“Mãos violentas matam companheira”. Foi título num jornal. 

2 de janeiro de 2020

DECISÕES

Sentada frente ao espelho, antes de tomar a decisão, Elsa travou um diálogo com a sua imagem. 
- Corto?
- Não sei! Sempre me habituei aos cabelos compridos. 
- Cabelo comprido, tão branco, não combina. A juventude é tempo passado!
- Mesmo assim. São muitos anos a refletir a mesma imagem. Não sei se me habituo à mudança!
- Paciência! Perdido por cem, perdido por mil. Corto. E bem curtinho! 
Cortou. E saiu do cabeleireiro mais leve e com menos dez anos.

31 de dezembro de 2019

LEITURAS DE 2019

Balanço das leituras de 2019.
Não foram tantas quantas as que desejei e muitos dos livros lidos não foram opção, mas, sim, seleção do Clube do Leitura.
Pertencer a um Clube de Leitura, com encontros mensais é fantástico, tem apenas um senão. Se por um lado, não me deixa tempo para ler o que tenho nas minhas listas, por outro permite-me ler livros que, certamente, nunca iria ler.
Selecionadas pelos membros do Clube de Leitura:

  • Uma cana de pesca para o meu avô, Gao Xingjian
  • O pianista de hotel, Rodrigo Guedes de Carvalho
  • Princípio de Karenina, Afonso Cruz. Um livro onde o autor "costura" Tolstoi, Dostoievski, Camilo Castelo Branco, Grimm, Aristóteles, a guerra do Vietname, as guerras religiosas, a globalização, a imigração e o produto é uma mensagem de esperança.
  • Carne crua, Rubem Fonseca
  • Lavoura arcaica, Raduan Nassar
  • O terrorista elegante, Mia Couto e José Eduardo Agualusa. Um livro que é uma lambarice que se devora numa dentada. No fim, fica o arrependimento de não ter sido saboreado devagar, durante muito mais tempo. Histórias de guerra com o amor como fio condutor das três histórias e muito humor.
  • Poesia de Adília Lopes

Em agosto, pude tirar alguns da minha lista e foi um mês dedicado às mulheres:




  • Aqui é um bom lugar, Ana Pessoa
  • Nunca para pior, Ana Saldanha
  • A bailarina e o leprechau, Eva Cruz
  • A gorda, Isabela Figueiredo
  • Atrás da porta, Teolinda Gersão
Outras, compradas para a Biblioteca Escolar e lidas antes de serem postas em circulação (adoro estrear livros!!!):

  • O gato, o Ankou e o Maori, Michel Rio
  • O autocarro de Rosa Parks, Fabrizio Silei
  • A terra de Ana, Jostein Gaarder
Releitura:
  • Os capitães da areia, Jorge Amado

29 de dezembro de 2019

TALENTO NATO!



Arre! Grande lata! Depois de devorar todas as doçarias natalícias, o Arnaldo teve a desfaçatez de fazer voar, goela abaixo, a última nata da pastelaria, na tarde seguinte ao Natal.  É talento nato da família Távora: comer até ficar lotado. E nenhum dá valor ao exercício físico.
Mas ele é o pior! Quando menos esperar, numa revoada da sorte, entrará em rota de colisão com a saúde e não haverá trevo de quatro folhas que lhe valha.


Desafio nº 194 da Margarida Fonseca Santos:
letras de árvore de natal (no texto a negrito)

1 de setembro de 2019

VERÃO

Os olhos enchem-se de verde
riscado pelo voo da ave viajante.
Verão em estado puro!

31 de agosto de 2019

FIM DE FÉRIAS

A manhã desponta particularmente quieta. 
Abro a janela do quarto de hotel e respiro o ar limpo que vem do jardim onde repousam as cadeiras da piscina, ainda vagas, milimetricamente alinhadas. 
A sala do pequeno-almoço também se encontra particularmente vazia. Os hóspedes já partiram ou estarão mais ensonados do que o costume? 
Chego à praia. Quase deserta, também. O meu recanto, entre rochas, aguarda-me e oferece-me sombra. Apenas se ouve o ligeiro bater das minúsculas ondas na areia, a música da praia. O mar chama-me. Está só e quer companhia. Faço-lhe a vontade. Sigo por ele adentro. A transparência da água permite ver o fundo e apanhar uma concha aqui, um búzio ali. Um cardume passa apressado em direção à outra banda. Parece fugir das barulhentas gaivotas que, esfomeadas, veem nos pequenos peixes grande banquete. 
Caminho em frente, cortando a água. Olho a praia que fica para trás, longe. E prossigo, sempre em frente, até perder o pé. Continuo só, com tanto mar só para mim. Poderia ficar aqui, transformada em sereia à espera de um Ulisses que me viesse buscar. Poderia, até, morrer neste momento, levaria o mar comigo.
Mas a realidade chama-me à razão. É fim de férias, o trabalho espera-me. 
Num dia que acorda assim, é mais difícil dizer adeus!



15 de agosto de 2019

PERDIDOS NA DIREÇÃO DA PAZ

A aldeia tem muito sol e, embora não tenha areia nem mar, atrai turistas, os poucos que se querem sentir perdidos na direção da paz. 
É o local ideal para ler ou passear com um amigo especial ao longo das ruas empedradas ou do silencioso rio. Aqui nada importa. Nem as possíveis picadas das abelhas que rondam o farnel, atraídas pelo convidativo leite creme
A luz realça o aveludado das rosas dos jardins. E tudo é suavidade!

3 de agosto de 2019

PRECISA DE AJUDA?

Caminhava como um autómato, cabeça longe, as pernas conduziam-na ao acaso. Uma tontura súbita fê-la encostar-se à parede. Preparava-se para continuar quando 
- Precisa de ajuda? 
Maria Luísa não ouve à primeira. Andou uns metros e parou. Só então se apercebeu que alguém lhe falava. Não estava habituada a que fossem gentis com ela, muito menos que lhe oferecessem ajuda. 
- Precisa de ajuda? 
Sim, precisava. Há meses que calcorreava a cidade, procurava emprego. Teria algum para lhe oferecer? 

Frase  a negrito do livro O pianista de hotel, de Rodrigo Guedes de Carvalho, pág.449