1 de maio de 2012

MISÉRIA A PASSOS LARGOS


A cidade onde vivo é considerada uma das cidades do país onde há melhor qualidade de vida. Sempre o senti. Vivo aqui há vinte e seis anos e sempre me senti bem. Eu e todos que cá vivem. Tudo é pacífico, o trânsito não provoca engarrafamentos de perder a paciência, não falta nada. Não faltava.
Nunca pensei, até hoje, que iria testemunhar uma situação tão oposta. Mesmo frente ao meu prédio, mesmo no contentor onde despejo diariamente o meu lixo doméstico. Hoje, não me atrevi a deixar ali o saco. Faltou-me a coragem!
Não consegui despejar o meu lixo que um ser humano iria escabulhar para recuperar algo que a minha abundância se atrevera a desperdiçar da mesma forma que já escabulhava os despojos e desperdícios de outros. Operação demorada, a dele!
Isto passou-se hoje, ao início da noite. Num dia em que se festejou (festejou?) o Dia do Trabalhador. Este homem gostaria, provavelmente, de ser um trabalhador e de ter trabalhado neste 1º de maio.
Isto passou-se hoje, no final de um dia em que a população portuguesa se atropelou, se esgadanhou, se digladiou numa cadeia de hipermercados para comprar indiscriminadamente, sem critério ou necessidade, e gastou mais de 100€ para poupar 50%. E gastou tempo e paciência e tolerância e, certamente, comprou produtos que nunca vai gastar. Um dia mais tarde, é quase certo, estes produtos irão parar ao contentor onde este homem irá de novo vasculhar para encontrar algo que encha a sua panela.
Este homem viveu o feriado do trabalhador mas não o festejou.
Este homem não teve 100€ para ir a correr gastá-lo no hipermercado da louca promoção.
Este homem não teve comida no prato.
Este homem festeja a vida com os restos que encontra no contentor do lixo.
Está a ficar assim a cidade onde vivo? Se é uma das cidades com melhor qualidade de vida do país, como anda o país?
Tenho vergonha! Se os olhos não veem, o coração não sente. Os meus olhos viram. Doeu. Dói.

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