À imagem do ano passado, a Universidade Sénior de Santa Maria da Feira está a dinamizar a sua semana cultural com eventos espalhados pelos cafés e restaurantes da cidade, terminando na Biblioteca Municipal no dia 5 de maio.
E, à imagem do ano passado, fui convidada para estar presente numa sessão e registar o momento, com palavras. Coube-me a sessão dedicada aos anos 60. Não poderia ser melhor. Foi na década de 60 que nasci (inaugurei a década, pode-se dizer!) e abri os olhos para a vida.
No final, o texto ficou pronto. Transcrevo-o:
A máquina do tempo vai arrancar. A viagem vai
começar numa noite espiada pela lua em quarto crescente. Ao longe, o castelo
observa a Taberna do Xisto que, hoje, se transformou e misturou novos sabores,
de saberes cruzados.
Um, dois, três… Partida! Destino: anos 60. Cá
vamos nós!
Chegamos. Aterramos.
Em Portugal, cresce a desilusão perante um regime
ditatorial.
Depois de uma guerra mundial, cresce a revolta
perante uma guerra colonial.
Cresce a frustração.
Cresce a contestação contra um Estado parado,
vazio, alheado do mundo onde grassa a desigualdade.
“Mas há sempre alguém que resiste, há sempre
alguém que diz não”. Não à ditadura, não à ignorância, não a qualquer forma de
tirania. E muitas foram as formas de dizer não. Com palavras de contestação,
mas forradas de poesia. Com pincéis e tintas (por vezes mais eloquentes do que
as palavras). Com música interventiva mais certeira do que balas no combate à
injustiça. Com a moda provocatória. Com danças energéticas. Com manifestações
hippies num colorido e relaxado festival Woodstock. “All we need is love”, “Peace
and love”, “Make peace not war” são gritos de paz porque a guerra não é
bem-vinda. Nem hoje, nem amanhã. Nem nunca!
“Quantos caminhos tem um homem de percorrer para
que lhe chamem homem? Quantos anos podem alguns existir antes que lhes seja
permitida a liberdade?” Perguntas feitas pelo recém Nobel da Literatura Bob
Dylan. Muitos caminhos foram percorridos e muitos anos passaram para que a
liberdade nos fosse permitida.
Hoje, aqui e agora, viveram-se momentos
impossíveis de serem vividos sem liberdade, esse bem precioso que nos permite
respirar, correr e gritar aos quatro ventos. E esta gente da Universidade Sénior
de Santa Maria da Feira correu, cantou, dançou para trazer até nós uma época tão
rica em cultura, apesar de, ou, talvez, devido à ditadura e à consequente contestação.
Monstros consagrados vieram até à Taberna trazendo na bagagem o seu saber.
Cinquenta décadas depois, vivemos dias frenéticos,
mas, hoje, não fomos derrotados pela pressa, derrotamos a pressa. Revivemos
momentos. E nem foram precisos charros nem máscaras. Porque há gente que sempre
lutou e gente que continua a lutar, contra ventos e marés. Assim, deixo a minha
homenagem a todos, eles e elas, gente da Universidade Sénior, num texto à moda
de Ana Hatherly, mulher da cultura portuguesa em destaque nos anos 60.
Esta Gente
O que é preciso é gente
gente com garra
gente que tenha garra
que mostre a garra
O que é preciso é gente
gente com garra
gente que tenha garra
que mostre a garra
O que é preciso é gente
gente que não seja malevolente
nem indolente
nem insolente
nem prepotente
mas, sim, gente polivalente
nem indolente
nem insolente
nem prepotente
mas, sim, gente polivalente
RESILIENTE
O que é preciso
é gente
gente com mentes sãs
mesmo que carreguem algumas cãs
gente com alma sadia
gente com alma sadia
que não viva uma vida vazia
O que é preciso é gente
que espicace toda essa gente
que, dominada pela indolência,
não é gente
como esta gente
que não se deixa dominar por gente
INDIFERENTE!
que, dominada pela indolência,
não é gente
como esta gente
que não se deixa dominar por gente
INDIFERENTE!
Gente que é gente
Vai à luta
Só assim sabe
que é gente
Gente que é
gente
Partilha o
saber
E, em todos os
seus gestos,
Esta gente dá
amor
Esta gente traz
palavras que têm cor
E todos os seus
gestos emanam calor
Esta gente solta freios
E mata os silêncios
alheios.
Sem comentários:
Enviar um comentário