É manhã, ainda muito cedo, mas a agitação já se sente e a cozinha transforma-se numa fábrica em plena produção.
A mãe é a chef de serviço, amparada por um batalhão de subchefes que não têm mãos a medir.
A cozinha é um festival de cheiros, cores e sabores. Canela, ovos açúcar, vinho do Porto, nozes, passas, avelãs, alho, azeite, couves, bacalhau… competem entre si, mas todos concordam: Natal é o cheiro e o brilho da palavra casa.
Na sala engalanada, a mesa comprida orgulha-se por estar tão bem vestida, tão elegante. Aqui, o festival é outro. Ensaiam-se canções de Natal. Mesmo que as vozes desafinem e não se acerte na nota correta, ninguém repara, ninguém se importa. A harmonia vem da alegria que se instala e permanece ao longo da noite que cresce devagar.
E as histórias do passado regressam todos os anos. Porque os que já partiram continuam ali. Sempre presentes em cada memória, em cada gargalhada, em cada olhar.
- Este ano as rabanadas não ficaram tão boas, o pão não era grande coisa! Mas, em contrapartida, que lindos estão os sonhos e os bilharacos! E reparem nas cores deste leite creme e desta aletria! E o bacalhau? O que acham? - pergunta a chef, exigente como sempre. - Todos os anos é a caldeirada o que mais me custa fazer!
Ninguém contesta. É tradição!
E é assim, todos os anos: um teatro sem guião, sem ensaio, sem papéis definidos. Só família, música, alegria, aromas espalhados pela casa inteira e o sabor do amor.
É já madrugada quando todos partem. A lareira continua a remoer as últimas achas e, na sala, agora vazia, ecoam as gargalhadas e a satisfação pelas prendas recebidas.
Nos embrulhos desfeitos, no caos dos papéis e fitas rasgados, nos pratos das sobremesas semivazios, resta a essência desta família: uma confusão maravilhosa que nenhum de nós trocaria por nada deste mundo.



















