31 de dezembro de 2024

FELIZ ANO NOVO!


Caro 2024,

Este é o teu último dia e não sei se me quero despedir. O teu sucessor vai entrar e, estou convencida, não vai ser meigo. 

Não é que tu tenhas sido muito meigo, trouxeste alguns contratempos, mas nada que não se resolvesse e, feito o balanço, até foste um ano bom. Profissionalmente continuo a fazer o que gosto e a ter alguns sucessos, a Beatriz, finalmente, está na casa dela e vejo-a feliz (quando os filhos estão felizes, as mães também são felizes), e a família está bem e continua unida.

Não sou mulher de sofrer por antecipação e, normalmente, sou positiva e otimista. No entanto, o teu sucessor traz-me alguma preocupação. O mundo está feio! Guerras que nunca mais acabam e ameaças de outras ensombram-nos. A pressa com que vivemos, sufoca-nos. A falta de tolerância, a desigualdade social cada vez mais acentuada, o egoísmo exacerbado desumanizam-nos.

Por isso, não quero um Ano Novo apenas pintado com novas tintas que apenas escondem o negro que fica por baixo. 

Quero que a partir de janeiro as coisas mudem, que seja um ano mesmo novo, não seja remendado. Quero que, em todo o mundo, a justiça seja plantada, que a liberdade se espalhe e contagie, que os direitos sejam respeitados. E, parafraseando Carlos Drummond de Andrade, que entre os homens e as nações tudo seja claridade, recompensa e justiça.

Será querer o impossível? Em todo o caso, peço-te que entregues este recado a 2025 antes de partires.

28 de dezembro de 2024

O QUE ACABEI DE LER

A NOITE EM QUE PRENDERAM O PAI NATAL

“A noite em que prenderam o Pai Natal”, de José Eduardo Agualusa, é um conto que transcende a mera narrativa de Natal. É, antes de mais, uma profunda reflexão sobre a história de Angola e sobre a condição humana. A narrativa é rica em simbolismo, onde a figura do Pai Natal se transforma numa personagem complexa, carregada de significado histórico e social.

O conto passa-se num contexto de guerra, refletindo as experiências vividas por Angola após a independência. O Pai Natal, nesse cenário, representa a esperança num futuro melhor e a fragilidade da inocência face à violência.

A figura do Pai Natal é usada para acentuar as marcas deixadas pelo colonialismo e as dificuldades de construir uma nova identidade nacional. A história do velho Pascoal, que assume o papel de Pai Natal, reflete a busca pela pertença a um mundo marcado por profundas transformações.

Magnífico, neste conto, é a forma como o autor combina elementos do realismo mágico com a História, criando uma atmosfera onírica e poética. 

Apesar de ser curto, ao longo do conto encontram-se temas como a busca pela identidade individual e coletiva, a esperança (a força motriz que impulsiona as personagens a seguirem em frente) e a solidariedade. Pascoal mostra como a generosidade e o cuidado com o próximo podem fazer a diferença na vida das pessoas.

O final acaba por ser surpreendente pois, numa aura de mistério, a aparição que remete para o milagre das rosas, da Rainha Santa Isabel, confere um elemento mágico à história.

Em suma, este é um conto que encanta e provoca, convidando o leitor a embarcar numa jornada emocionante pela História, pela imaginação, pelos valores.

26 de dezembro de 2024

CONTO DE NATAL!


imagem gerada por IA (Chat GPT)

O dia nasceu fosco, apesar de ser dia de festa. No parque, as árvores despidas não se mexiam. Parecia que a vida parara. Só o rio aparentava ter vida e continuava a correr, indiferente ao dia e a tudo o que se passava na cidade.

Ali, a velhinha (ou talvez não fosse tão velhinha assim), qual farrapo humano, arrastava-se pela rua, fustigada pela solidão, cansada da sua cama de chuva com lençóis de vento. Mendigava amor. Mas, nem uma mão estendida, nem um abraço se via. Todos se tinham recolhido no seu egoísmo, apenas preocupados com as prendas que ainda não tinham comprado. As montras pareciam insultá-la, com tanto brilho dourado e azul prateado a contrastar com os remendos das suas roupas, com as suas mãos calosas, com o seu magro rosto vermelho de frio, com os seus olhos tristes sulcados pelas lágrimas de uma vida tirana. E via nestas montras a sua fome projetada em cada luzente bolo-rei.

Entretanto, Amélia saíra de casa para fazer umas compras rápidas. Precisava de meia hora de estacionamento para o seu carro. Meia hora! O tempo que demoraria a fazer as compras, tempo que teria de pagar. Fosse esse o mal maior!

Apercebeu-se da velhinha que, vagarosamente, fazia o seu percurso.  Na rua ouvia-se uma suave melodia de Natal. “Noite Feliz! Noite Feliz”. Porém, as moedas não entravam no seu bolso, para que ela tivesse o vislumbre de alguma felicidade. Tinham outro destino. Alimentavam máquinas! 

Amélia sentiu-se mal. Enquanto se dirigia ao parquímetro para lá depositar umas moedas, a velhinha aproximou-se. Uma velhinha que, a essa mesma hora, sozinha, só pensava nos seus, os três netos e a filha. E pedia ajuda para lhes dar de comer.


(Há lares nus, rotos, mais gelados do que a neve!)


Amélia sentiu-se terrivelmente mal! Cada iguaria que iria comprar, teria um sabor amargo. Ela dispunha-se a alimentar a máquina. A velhinha não tinha como alimentar a família. 

Uns metros à frente, um de cada lado da rua, dois homens fardados vigiavam ferozmente os carros estacionados. E multavam todos os que não exibissem o papelucho das malditas maquinetas. Alguns condutores teriam ido, provavelmente, apenas tomar um simples café ou dar um rápido recado. E o dia saiu-lhes caro. E os homens agiram assim, como lobos esfaimados atrás da presa. E era véspera de Natal! Mas, fosse esse o mal maior!

Não houve mais ninguém para perguntar à pobre mulher se estava bem ou mal. Apenas Amélia a olhou e, através de um sorriso, disse-lhe enquanto lhe mostrava uma nota:

- Venha comigo!

Dirigiram-se ambas a um dos homens fardados. Amélia conteve-se para não gritar e conseguiu falar com toda a calma possível. 

- Vê esta nota? Vai direta para o bolso desta senhora que vive o Natal da desolação sem um queixume. A máquina não vai receber um único cêntimo meu. E não se atreva a deixar uma multa no meu carro! Tenha um feliz Natal!

E os sinos continuavam a tocar. É Natal! É Natal! É Natal!...

imagem gerada por IA (Chat GPT)

5 de setembro de 2024

O QUE ACABEI DE LER


Vemo-nos em agosto

Lido num sopro. Apesar de não ter a mestria a que Garcia Márquez nos habituou, este livro póstumo (nem sei se se pode chamar romance) lê-se com alguma expectativa para se conhecer o desenlace.

A história é incrível pela originalidade da temática e há vários aspetos das relações humanas que são questionados e nos fazem pensar.

Estou convencida que os leitores ficarão a pensar sobre o que farão as suas mulheres quando saem de casa sozinhas. E as leitoras, estou certa, questionar-se-ão muitas vezes, pois é muito fácil entrar na pele da personagem principal:

- E se fosse comigo?

- Seria eu capaz de seduzir um desconhecido?

- Seria eu capaz de me deixar seduzir?

- Seria eu capaz de viver uma noite louca?

- Seria eu capaz de ser infiel mesmo que fosse apenas uma vez por ano?

- Teria eu o direito de sair da rotina e entregar-me ao prazer, sem remorsos?

Deixo a cada leitora o desafio de comentar e acrescentar outras perguntas que, certamente, irão fazer comichão no cérebro.

 

O coro dos defuntos

É deliciosa a forma como o Portugal rural é apresentado aos leitores. O autor entrou no mundo de Aquilino Ribeiro e “roubou-lhe” as palavras que constam num glossário no final do livro, mas até esse aspeto é delicioso.

As personagens encantam a prendem o leitor à narrativa. A avó, meio maluca, meio bruxa que tanto faz partos como lava e veste os mortos. O Manuel Rato, expulso do seminário por ler livros proibidos, homem culto inspirado em Espinosa e que fala sozinho. A Chichona, a velha prostituta que acaba assassinada e ninguém sabe por quem. A Olivita que coleciona santinhos, a rapariga casta e quase invisível que se transforma em coquette. E tantas outras personagens que trazem ao romance momentos trágicos e emotivos, mas que fazem soltar valentes gargalhadas.

A chegada da televisão à aldeia e do homem à Lua, o assassinato do negro que tinha um sonho, o transplante de um coração humano, as baixas americanas no Vietname e outros acontecimentos que ocorrem entre 1968 e 1974 surgem ao longo na narrativa de forma hilariante e com cravos vermelhos muito subtis que vão anunciando a Revolução.


Filhos da chuva

Em Domínio, a chuva não para e os relógios param nas cinco da tarde. Numa terra sem tempo, as vidas andam todas desencontradas o que altera a maneira de ser das personagens e até do leitor que, a certa altura, já não sabe que tempo faz lá fora.

Logo no início da leitura, o meu pensamento voou para Saramago, nomeadamente para o seu romance “Ensaio sobre a cegueira”, pelo insólito, pela forma como as personagens têm de viver quando o inesperado acontece.

Trata-se de uma narrativa bastante densa, com personagens muito bem construídas e de uma enorme riqueza cujas características são dadas pelos nomes próprios, tais como Muda que percorre as ruas, carregada de sacos, o seu filho, Amor, que vive aprisionado numa fábula que o padrasto lhe conta desde pequeno, Mãe, mulher possessiva, que nunca deixou Filho conhecer o mundo.

Neste romance de estreia de Álvaro Curia, culpa e obsessão associam-se à coragem e à vontade de viver. Não é uma leitura fácil, a linguagem não é simples, é, aliás, bastante poética e não se entra facilmente no ritmo, demorado até meio do livro. No entanto, tem passagens que deixam o leitor arrepiado ou emocionado, divertido ou pensativo.

A capa do livro, de Juan Cavia, é, tão somente, maravilhosa!


Os meus dias na livraria Morisaki

O livro não correspondeu às minhas expectativas, nem percebo por que motivo é best seller.

Adoro livros com livros dentro, mas este não foi o caso. Demasiado fofo para o meu gosto. Lê-se bem e depressa, leitura ligeira, com conteúdo simples e sem grande intriga. Personagens pouco densas e nada empolgantes, fim previsível.

Pensei que iria viajar pelo mundo dos livros, mas esta temática foi pouco explorada e apenas a literatura japonesa é abordada, mesmo assim, sem profundidade.

No entanto, é um livro agradável para se ler na praia ou estendida numa espreguiçadeira frente à piscina.

5 de agosto de 2024

O QUE ACABEI DE LER

 Adoro quando começo a ler um romance e fico presa à história logo na primeira página. Com este livro, não foi preciso tanto, bastou o primeiro parágrafo:

“Na sexta-feira, logo a seguir ao meio-dia, quando o Sol ultrapassou o zénite e, cheio de dignidade, rolou até à extremidade ocidental do vale, Sevoiants Anatólia deitou-se para morrer.”

Esta é uma história cheia de imagens, de cores e de sabores que cativam o leitor do princípio ao fim, altura em que é desvendado o significado do título. 

Esta é uma história que mostra quanto a cultura e o saber são tão necessários para compreender o mundo: “Lembrou-se de si próprio, jovem e parvo, capaz de matar, por aposta, um touro inocente – e teve vergonha. É esta a diferença entre uma pessoa culta e uma analfabeta, pensou Vassíli, afastando-se da biblioteca e voltando à sua forja quente: o culto receia destruir um ninho vazio, mas o analfabeto está pronto a dar cabo de uma criatura inocente, apenas para provar a sua força idiota.” (pg. 50)

Esta é uma história que é um hino ao amor.

Nariné Abgarian, uma escritora arménia, inspirada em Gabriel Garcia Marquez, quis contar uma história de esperança porque "o mundo precisa de beleza". E é com a beleza das palavras e das descrições que despertam tantas sensações que ela mostra Maran, uma aldeia perdida nas montanhas, assim como os seus habitantes cheios de mistérios, de crenças, com um espírito de comunidade comovente, que não viram costas ao trabalho, por muito árduo que seja: “– Não há nada mais destruidor do que a ociosidade – gostava de repetir o pai. – Os braços cruzados e o ócio privam a vida de sentido.” (pg. 64)

O ambiente vivido é de tristeza, fome, pobreza, guerra, mas também de luta, fé e esperança. Envolto em magia, neste local onde há muito deixou de haver crianças, o real e o onírico confundem-se. Aqui, o inesperado acontece porque as pessoas fazem acontecer: “Só que o homem nasce homem precisamente para duvidar, mas nunca recuar.” (pg.175)

10 de junho de 2024

ESCOLA - UM MICROCOSMO LINGUÍSTICO

Cheguei à escola, carregada com um pesado saco de livros, e várias crianças imediatamente foram ter comigo para me ajudarem a carregar o saco para a biblioteca onde ficaram a apreciar os livros novos expostas e a conversar sobre eles.

Os vários sotaques que fui ouvindo soaram-me a música. E apercebi-me que é esta música que muito tenho ouvido ao longo deste ano letivo. Nunca, até então, tinha sentido a variedade linguística com tal intensidade.

Trabalhar numa escola, hoje, é viver numa torre de babel onde diferentes línguas, com diferentes sotaques, se misturam.

Trabalhar numa escola, hoje, é ouvir uma sinfonia de vozes, onde cada língua e cada sotaque são notas perfeitas que compõem uma melodia harmoniosa. Ou fios que, tecidos, criam uma manta de histórias e culturas, num trabalho de patchwork.

Cada aluno traz consigo a música da sua língua natal. E que agradável é, por ser tão doce, ouvir o português de Portugal entrelaçado com o português do Brasil e o de África!

Esta diversidade traz frescura e lembra-nos que a beleza da comunicação, e da vida, está na variedade.

Ouvir histórias contadas em idiomas diferentes lembra-nos que, apesar das diferenças, os sonhos, as esperanças e as alegrias são universais.

A escola tornou-se um microcosmo, um lugar onde se celebra a diversidade e se aprende que cada voz é uma contribuição indispensável para um mundo harmonioso. Assim, a Torre de Babel deixa de ser um símbolo de confusão, já não é castigo divino, é música para os ouvidos.

30 de abril de 2024

CONCURSO CONCELHIO MICROCONTOS DE ABRIL



A Rede de Bibliotecas de S. João da Madeira lançou o concurso "Microcontos de Abril" a toda a comunidade escolar dos 3 Agrupamentos de Escolas. 

Foi com muita alegria que vi o meu conto, "O primeiro de muitos", premiado (1.º lugar) na categoria adultos.

Todos os contos premiados foram publicados num ebook que pode ser lido aqui.


7 de abril de 2024

26 de março de 2024

DIA DO LIVRO PORTUGUÊS

 

No Dia do Livro Português, que se comemora em 26 de março, eis os meus. São 7. Cinco são apenas meus; dois são antologias, com os textos vencedores de concursos de escrita, onde estão publicados dois contos meus.

A data foi criada pela Sociedade Portuguesa de Autores com o intuito de destacar a importância do livro, do saber e da língua portuguesa em todo o mundo.

Foi escolhido o dia 26 de março para esta celebração pois foi neste dia, em 1487, que se imprimiu o primeiro livro em Portugal: o “Pentateuco”, em hebraico. Ele saiu das oficinas do judeu Samuel Gacon, na Vila-a-Dentro, em Faro.

25 de fevereiro de 2024

HÁ DIAS ASSIM


 Há dias assim, e muitos foram,

em que a raiva corria nas veias 


Há dias assim, e tantos se repetiram,

em que as lágrimas jorravam sem esteios


Há dias assim, e tanto se prolongaram,

em que o medo tolhia as ideias


Há dias assim, e tanto se demoraram 

em que apenas se ouvia o eco do silêncio


Mas também há dias assim

que nascem iluminados

que se levantam e se revoltam

que abrem portas tanto tempo cerradas

que dão lugar ao rumor das palavras libertadas

que se vestem de cravo vermelho e fazem da cidade um jardim


Sim! Há dias assim

em que o tempo deixa de contar

e se transformam num poema com tempo e com vagar

18 de fevereiro de 2024

UM TRIO PECULIAR

 


Num jardim, jaziam esquecidos um regador metálico, apaixonado pelas elegantes roseiras, um pedaço de madeira, marcado por cicatrizes de aventuras passadas, e um charuto queimado, saudoso do seu fumo adocicado.

Cansado da inércia, este trio peculiar uniu-se para criar uma instalação artística e chamar a atenção.

O regador suportou a tábua, transformada em tela, à qual o charuto ofereceu novas texturas. Nela colaram-se folhas soltas, arrastadas pelo vento.

Já não eram inúteis. Eram, agora, arte no jardim.

 

11 de fevereiro de 2024

VISITA INSÓLITA

Maria Coruja lembra-se, repentinamente, da sua tia-bruxa, uma figura enigmática e misteriosa que já quase esquecera por não a ver há imenso tempo. Abana a cabeça, para espantar este pensamento, e continua a preparar o caldo de ervas e especiarias cujo aroma se mistura com o cheiro a incenso. Contudo, continua a pensar insistentemente nela. Porquê?

- Olá, querida sobrinha. Espantada?

Não era possível! Tão insólita visita só poderia significar uma reviravolta mágica na sua tão monótona vida!


20 de janeiro de 2024

PARTICIPAÇÃO NA FESTA DO LIVRO DA AJUDARIS

É sempre um prazer colaborar com quem vive a ajudar os outros. Obrigada pela confiança, Ajudaris. O mundo precisa, muito, de gente solidária!