5 de agosto de 2025

O QUE ACABEI DE LER

 


Será uma técnica de marketing, para a compra do livro, incluir na capa e na contracapa a informação que este é um romance inspirado na vida de Brynhild Størset, também conhecida como Bella Sørensen e, depois, Belle Gunness, a qual terá assassinado mais de 40 pessoas, incluindo dois maridos e uma série indeterminada de homens que descobria através do correio sentimental da imprensa norueguesa.

Desengane-se o leitor que fica na expectativa de assistir, sentado no seu sofá, a assassinatos ao longo da história, a começar logo no primeiro capítulo. Não! Terá de esperar quase até ao fim do livro!

E não é um livro fácil de ler. A alternância de tempos e espaços leva a que se tenha de voltar atrás algumas vezes para acompanhar a vida da personagem que, aos 17 anos, viveu a sua primeira história de amor cujo final abrupto lhe deixou marcas profundas e traçou o seu percurso: “deve ser doloroso lembrares-te de quem não te quis, não?”.

Também não é a biografia de Brynhild. É um romance psicológico cuja protagonista possui uma mente perturbada, atormentada pelo desejo de amor, pela compulsão sexual, pelo fervor religioso (a presença constante de Deus a regular a sua vida acentua os seus atos de loucura), pela falta de aceitação e sensação de abandono pelo mundo. “Recebera a rejeição como uma chapada na cara.” Todos estes ingredientes misturados impelem-na à violência de uma forma fria, cruel, quase irracional, provocada por um desejo mórbido que ela nunca encontrou.

E este anseio, este suor de amor que não parava de correr, pespegava-se a tudo que ela fazia, estas glândulas fedorentas nos sovacos nunca deixavam de cheirar mal. Este anseio, o grande corpo aberto. (…) Estes nervos, a inquietação constante, as cores dentro dela, este ridículo no seu interior, os instintos, os sentimentos e os pensamentos eram como pústulas no seu corpo, dentro dela as imagens pintavam-se tão grandes, tão gigantescas.”

“Bella virou-se para Deus, para tudo o que constava da Bíblia, para tudo o que estava preto no branco, para a verdade inabalável.”

Ao longo do romance, há indícios desta loucura através de referências a luz e sombras, cores escuras (flores cinzentas e borboletas negras) e, sobretudo, pela questão que se repete variadas vezes: “que género de pessoa és tu?”, “quem és tu, de verdade?”.

A narrativa é revestida de bastante crueldade, no entanto, atenuada por várias passagens poéticas. Se, por um lado, o leitor fica chocado com todo o comportamento da personagem, por outro, não sente os murros no estômago que seria suposto sentir. A autora consegue, com mestria, entrar no mundo tumultuoso de Brynhild, a mulher consumida pelo desejo, que “agira como se fosse Deus”, e retratá-lo com subtileza e beleza.


24 de julho de 2025

RETALHOS DA VIDA DE UMA PROFESSORA BIBLIOTECÁRIA

 Agora que mais um ano letivo chegou ao fim, é tempo de balanço e de pensarmos o que andamos aqui a fazer.


Os verbos que uma PB conjuga, num retalho em poucas palavras e muitas ações.

Ser professora bibliotecária é missão. 

É orientar, inovar e inspirar.

É desafiar e responder a desafios.

É querer saber mais e partilhar o saber.

É planear, colaborar e estabelecer pontes.

É abrir as portas do conhecimento e da criatividade.

É despertar a curiosidade e a imaginação.

É surfar nas ondas da informação e combater a desinformação.

É avaliar para transformar e melhorar.

É contar histórias e dar vida às personagens.

É abraçar e receber abraços.

É estar sempre presente e não fazer de conta. 

É trabalhar, muitas vezes, em silêncio para que a sua voz se possa ouvir.

21 de junho de 2025

DECLARAÇÃO DE AMOR A LUÍS DE CAMÕES

 

Decorreu na Biblioteca Municipal Dr. Renato Araújo, em S. João da Madeira, na passada terça-feira, dia 17 de junho, a cerimónia de entrega de prémios do concurso concelhio "Microcontos" (uma atividade do Projeto Educativo Municipal para as escolas), subordinado ao tema "Vida e obra de Luís de Camões".

Foi uma honra ter-me cabido o 1.º lugar no escalão adultos com o microconto "Declaração de amor"!



27 de maio de 2025

AMANHÃ, PROMETO PLANTAR UM JACARANDÁ

imagem gerada por IA (chatGPT)


Já escrevi poemas. Atirei-os ao vento.

Já tive segredos. Não os consegui guardar.

Já dancei sob a chuva. E nem sabia dançar.

E nada perturbou o meu pensamento.


Colecionei ideais. Vi-os fugir.

Não os consegui agarrar!

Já muito viajei. Tantas voltas dei ao mundo.

Tanto vi, tanto senti. Mas não o consegui mudar.


Em tantas coisas acreditei.

Só ainda não plantei uma árvore,

talvez com medo de ficar como ela:

criar raízes, fixar os pés na terra e não poder andar.


Contudo, amanhã, se não chover,

prometo plantar um jacarandá,

abrigo lilás para pássaros errantes,

e ficar à espera, a vê-lo crescer.


14 de abril de 2025

CLUBE DE LEITURA JUVENIL - PRIMEIRA SESSÃO NA BIBLIOTECA MUNICIPAL

Na primeira sessão do Clube de Leitura Juvenil, e para quebrar o gelo entre os seis jovens fundadores (dos 11 aos 14 anos), foi lançado um desafio: 

- Se pudesses ser uma personagem de um livro, qual serias e por que motivo?

As respostas não tardaram.

- Odisseu, personagem da Odisseia, de Homero, pela força de vontade e resiliência.

- Bruno, do livro O rapaz do pijama às riscas, de John Boyne, por ser aventureiro e fazer amizade com alguém da sua idade, apesar da rede que os divide.

- Teresa, uma das gémeas da coleção “Uma aventura”, de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, por ser divertida e aventureira.

- A rapariga karateca, do livro O caderno vermelho da rapariga karateca, de Ana Pessoa, por ser diferente e por ter um diário como se fosse um animal de estimação ou uma pessoa de verdade.

- Leo, de O leão por cima da porta, de Onjali Q. Raúf, por fazer justiça.

- Mortimer, da coleção Blake e Mortimer, de Edgar P. Jacobs, por ser um cientista que gosta de egiptologia.

Quanto ao livro lido, O destino de Fausto, de Oliver Jeffers, cada um definiu-o numa única palavra, de acordo com aquilo que nele sobressai: ditadura, arrogância, egoísmo, posse, controlo, realidade.

Todos gostaram muito do livro. Apesar da leitura rápida e fácil, a mensagem é profunda e a personagem Fausto simboliza aquilo que não se quer: prepotência, ditadura e ganância. Ninguém é dono do mundo e o poder, quando é obsessivo e tirano, é bastante negativo. Fazendo uma analogia com a vida real, notou-se o quanto estes jovens estão a par dos problemas do mundo. Não faltaram exemplos de problemas atuais relacionados com ditadores. Felizmente, há sempre alguém que resiste, no caso do conto, o mar que não se deixa subjugar e é o símbolo da oposição e da luta contra a opressão.

A discussão sobre o livro, bastante participada e animada, terminou com o julgamento de Fausto, o que foi bastante divertido e, estou convencida, contribuiu para que estes jovens regressem e tragam mais uns quantos.


30 de março de 2025

CLUBE DE LEITURA JUVENIL

 A partir do dia 9 de abril de 2025, irei dinamizar um Clube de Leitura Juvenil, na Biblioteca Municipal de S. João da Madeira, para jovens entre os 12 e 15 anos. Estou ansiosa para conhecer os novos leitores e partilhar com eles experiências de leituras.


21 de março de 2025

21 DE MARÇO - DIA MUNDIAL DA POESIA

 

imagem gerada por IA (chat gpt)

Despedida em tons de branco

Almofada

Fios de cabelo

Lençol

Colcha  

Chinelos

Cortina

Janela

Luz

Luar

Suspiro

Sopro

Nuvem

Fim 

16 de março de 2025

200 ANOS DE CAMILO CASTELO BRANCO

Li "Amor de perdição" pela primeira vez como aluna, com 16 anos, e lembro-me que, quando acabei de o ler, estava lavada em lágrimas. 

A história é trágica, com personagens marcantes. Quem vai esquecer o triângulo amoroso Mariana que ama Simão que ama Teresa que ama Simão que não ama Mariana mas que a respeita?

Um livro que tem dentro paixão, suspense, controlo parental, amor proibido, raiva, sacrifício, assassinatos, muitas mortes e, no meio de tantos elementos trágicos, tão característicos do Romantismo, o autor ainda consegue fazer crítica social com muita ironia, na referência, por exemplo, às freiras e ao modo de vida dos conventos. 

É evidente que o leitor do século XXI tem de o ler aos olhos da sociedade do século XIX. Este tipo de relações amorosas, numa época em que tudo é descartável e nada dura, nem o amor, está completamente fora de moda. Hoje, ninguém é enclausurado num convento porque ama, nem se deixa morrer por não poder ter o seu amado.

Mas é muito interessante comparar reações de leitura de vários leitores. Quem fica do lado de quem?

8 de março de 2025

DIFERENÇAS

Ela nasceu num país de chão verde.

Ele nasceu num país de chão negro.

Ela tem olhos claros e cabelo de ouro.

Ele tem olhos escuros e cabelo de carvão. 

Cobre-a pele acetinada, neve pura.

Cobre-o pele robusta, terra fértil.

Cruzaram-se algures. E a pretidão da noite desaguou na pálida madrugada. Nesse momento, o universo trovejou. Mas, ambos ousaram desafiar raios e trovões e furaram arames farpados. 

Faz sentido. Corre-lhes nas veias a mesma intensa cor vermelha.


Menção honrosa no concurso de contos em 77 palavras contra a discriminação racial, 

1ºescalão, promovido pelo ACM


2 de março de 2025

AS GIRAFAS TAMBÉM GOSTAM DE MOLHAR OS PÉS

A girafa Josefa viajou da savana até ao mar. Durante o longo percurso, conheceu outras girafas, de outras estórias, e com elas aprendeu algumas lições.

Agora, vai viajar de escola em escola, no meu Agrupamento, para que as crianças a conheçam e a ajudem a resolver o dilema final.