28 de agosto de 2023

O QUE ACABEI DE LER

 

A política, o pós 25 de abril, os retornados, a amizade, o divórcio, as frustrações amorosas, a adoção de animais, o abate de animais para alimentação, a sociedade de consumo e o inevitável desperdício, a escola, as escolhas, está tudo neste livro. Tudo posto a nu, sem subtilezas, sem rodeios, sem preconceitos.

O narrador é uma personagem fantástica pelas escolhas de vida que fez, por assumir estar contra tudo o que para os outros é normal e por ter coragem de ir contra todas as opiniões. A sua suposta solidão junta-se a outra solidão, a da estranha vizinha que coleciona caixotes de tralha catalogada e fotos que não revela.

Uma narrativa com tempos alternados, histórias de vidas cruzadas, intercaladas, intrincadas. Um romance com muitas histórias dentro, cada uma mais intrigante do que a outra. Em torno das histórias do José, giram as histórias das personagens que fazem parte da sua vida: as histórias da mãe, do pai, da avó, da Cátia, da vizinha, dos retornados, dos cães.

 "Que resultados obtemos quando se juntam duas solidões?"

Neste caso, solidão + solidão = partilha, apoio, confiança, diálogo. Porque “precisamos de alguém com quem falar.”

Seja uma pessoa, seja um cão no meio do caminho, "Ninguém entra na nossa vida por acaso."

Depois de ter lido  A gorda e, agora, Um cão no meio do caminho, Isabela Figueiredo está, definitivamente, na lista das minhas preferências.

23 de agosto de 2023

NÃO ERA UMA SOLUÇÃO PLANEADA


Pobre gaivota!

Tão perdida, abandonada.

Dificilmente resistiria sem ajuda.

A solidão acentuava-lhe o sofrimento.

Desorientada, em equilíbrio instável, grasnava aflita.

Ficou ali, quieta, asa ferida, voo impedido.

Especada no alto da falésia, procurava o bando.

Na forte ventania que soprou repentinamente, vislumbrou a oportunidade.

Agarrar-se-ia desesperadamente a algo que a salvasse, então decidiu arriscar.

Partiu nas asas do vento, deixou-se baloiçar, esqueceu a dor, relaxou.

Não era uma solução planeada, apenas um acontecimento inesperado, mas talvez funcionasse.



19 de agosto de 2023

SESSÃO DE AUTÓGRAFOS NA FEIRA DO LIVRO DO PORTO

 


É já no próximo dia 10 de setembro, pelas 17 horas.

AREIAS NA ENGRENAGEM

Enquanto mirava a linha do horizonte, pensava no que fazer.

Quando ele a fixava com o seu olhar azul, era como uma brisa num dia quente de verão e ela cedia. Mal abria a boca, as palavras saíam-lhe amargas como limão. Rapidamente se tornava um caldinho sem sal, sem qualquer atrativo (nestas alturas, o azul dos olhos desmaiava). Não havia motivo para manter a relação, mas adiava, adiava.

Como retirar estas areias da engrenagem da sua vida?


18 de agosto de 2023

AGOSTO


 Adoro agosto. Ele traz calor, praia, banhos de mar, férias, descanso. E é o mês do meu aniversário. Se, por um lado, em cada agosto, vou avançando na velhice, por outro lado, é sempre a oportunidade de celebrar mais um ano de vida. E é com muito gosto que eu entro em agosto. O único mês em que paro para fazer o que gosto e o que me apetece, impossível de fazer nos outros meses de trabalho. Contudo, começo a ter medo do mês de agosto. 

Em agosto de 2022, sabes o que fizeste, Hélio? Pregaste-nos uma partida e partiste. Sem aviso prévio. Sem que ninguém esperasse. Apanhaste-nos desprevenidos!

Em agosto de 2023, foste tu, Carlos Jorge! Foi a tua vez de nos pregares a partida e de partires também sem aviso prévio. Foi combinado entre vós?!!! Vós voltastes à infância e pregais partidas à família? Com 57 e 55 anos, respetivamente, é cedo para a partida, mas tarde para partidas de mau gosto. 

E agora tenho medo. Medo do agosto que adoro. Medo de voltar a ter surpresas que ninguém deseja e que nos fazem sofrer!


9 de agosto de 2023

O QUE ACABEI DE LER


Barry é um emigrante de Antígua em Londres e é o protótipo de uma masculinidade viril e chefe de família conservadora.
  No entanto, resolve, aos 74 anos, viver a sua vida em plenitude assumindo a sua homossexualidade para poder, finalmente, viver com o homem que ama desde a adolescência.

Todo o romance é um divertimento, apesar da seriedade do tema e das críticas sociais. E é uma fonte inesgotável de frases fantásticas para excelentes citações sobre variadíssimos assuntos. Além disso, é um emaranhado de sensações que deliciam o leitor através das descrições dos trajes das personagens, do mobiliário, dos pratos caribenhos, das músicas…

A estrutura narrativa faz o leitor ouvir duas vozes de dois narradores diferentes e alternar tempos entre 1960 e 2010.

Barry é o narrador do presente: “Não tenho dúvida nenhuma do que digo porque eu, o excelentíssimo Barrington Jedidiah Walker, te conheço, monsieur Morris Courtney de La Roux, desde que éramos dois reguilas de cara lisa e voz de cana rachada porque os tintins ainda não tinham descido (…)". O tom que usa é cheio de humor e o leitor facilmente adere à personagem e deseja que se livre rapidamente do seu casamento de aparências para viver o seu grande amor.

O tom do segundo narrador, que narra o passado, é pessimista e ressentido. É a voz da própria Carmel, a ingénua mulher de Barry que, nunca suspeitando da orientação sexual do marido e sempre acreditando que a sua falta de interesse por ela se devia a outras mulheres, se recrimina pelas escolhas que fez: viver uma vida falsa, sacrificando a sua felicidade em nome de um casamento “sagrado” que nunca resultou.

Adorei este romance cheio de ritmo e de humor e Bernardine Evaristo, de quem já tinha lido Rapariga mulher outra, tornou-se, definitivamente, uma das minhas autoras preferidas do século XXI pela forma como cativa o leitor através do seu olhar sobre uma sociedade cheia de problemas e da forma como expõe preconceitos enraizados.