Vozes de mulheres que são um grito de libertação das amarras
impostas pelos pesos que têm de carregar: o peso da História, o peso da tradição,
o peso da educação, o peso do machismo, o peso do sexismo. A herança de um
passado traz-lhes, no presente, graves problemas provocados pela intolerância que
elas terão de enfrentar com coragem, determinação e resiliência.
“por tudo isto, concluiu ele, ia certificar-se de que ela chegava ao topo mais depressa do que seria a norma porque ela merecia, que diferença fazia que só abrisse folhas de cálculo e nunca as pernas? Há muito que esses tempos tinham acabado, já não era assim que as mulheres subiam na carreia, e ainda bem, ressalvou logo, e então pôs-se a desfiar histórias dos seus vertiginosos tempos de hedonismo nos anos 80, quando ainda estava na Bolsa…” pág. 154
As suas estórias poder-se-iam resumir ao lema criado por
Amma e Dominique para a companhia de teatro que criaram: “Resistir ou morrer”.
Esta expressão sintetiza toda a luta das mulheres pelos seus
direitos contra a educação machista, contra a submissão aos maridos, porque a
tradição o exige, contra a violência doméstica.
“O teu pai é produto
da sua época e da sua cultura.” (pág. 44)
“ela sim, saiu-se bem, não é como os irmãos mais velhos que
nem sequer tinham de ajudar em casa ou lavar a roupa que sujavam, ao contrário
dela, que passava as manhãs de sábado a fazer as duas coisas
Que eram sempre os primeiros a ser servidos, embora jamais
tenham ajudado a preparar uma única refeição, e, por serem rapazes em idade de crescimento,
ainda tinham direito a doses maiores…” pág. 232
“deu então início a uma campanha para pressionar Gilles a
deixá-la trabalhar, porque ele continuava a teimar que mulher sua tinha de
estar em casa, que era essa a ordem natural das coisas desde que havia memória
eu caçador – tu doméstica
eu ter salário – tu fazer o comer
eu fazer-te filhos – tu ficar a criá-los” pág. 303
Além dos problemas das mulheres em geral, as mulheres negras
ainda têm de lutar contra a discriminação racial: “ao subir ao palco durante a
sua cerimónia de graduação para receber o canudo e apertar a mão ao diretor da
universidade diante de centenas de pessoas, mal imaginava ela que o seu grau académico
com distinção obtido num país do terceiro Mundo seria inútil no seu novo país
sobretudo porque daquele rolo de papel-pergaminho constavam
o seu nome e a sua nacionalidade
mal imaginava ela que as cartas de rejeição para os empregos
a que iria candidatar-se chegariam no correio com tal regularidade que
queimá-las no lava-louça tornar-se-ia um ritual”, pág. 180
Sendo mulheres negras, homossexuais e com problemas com identidade
de género acresce a luta contra o preconceito e a homofobia.
Com uma enorme força narrativa, o romance de Bernardine
Evaristo expõe claramente, por vezes de forma dura e crua, por vezes de forma
tocante e de uma sensibilidade extrema, uma sociedade multicultural xenófoba,
racista e discriminatória, repensa as questões de identidade, de género e de classe
social e revela os contrastes do mundo e a sua falta de equilíbrio, deixando,
no entanto, uma mensagem de esperança: “o poder que a instrução tem de
transformar vidas.” pág. 262
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