Os livros mudam o destino das pessoas, mas as pessoas também mudam o destino dos livros. Poderia ser a frase sinopse deste livro.
Bluma, uma professora de Cambridge, é atropelada enquanto lia o segundo poema de Emily Dickinson. Bluma morre no início da história, mas a sua presença mantém-se ao longo da trama. Mulher com uma personalidade marcante, marcou quem com ela se cruzou, quer intelectual quer fisicamente. Os livros fizeram parte da sua vida, influenciaram o seu modo de vida e houve um que acabou por ser o motivo da sua morte (pág. 51).
O seu substituto, narrador desta história, recebe pelo correio uma misteriosa encomenda, vinda de Buenos Aires e endereçada a Bluma, que contém o livro A Linha de Sombra, de Joseph Conrad, cuja capa incrustada de cimento traz uma dedicatória, escrita por ela, a Carlos Brauer.
O narrador não descansa enquanto não descobre o mistério deste cimento no livro. Vem a conhecer Agustin Delgado numa viagem pela Argentina e pelos seus meios literários. Este apresenta-lhe a história de Carlos Brauer e da sua obsessão pela literatura (pág. 26, 32, 33, 34), colecionador de livros raros e de primeiras edições, o qual lia os autores do século XIX à luz das velas e determinados escritores ouvindo músicas de compositores da mesma época, entre outras obsessões, e que mantinha com os livros uma relação de grande prazer, chegando mesmo a ser erótica, na forma como os usava (pág. 35, 36).
Mas, a certa altura, os livros começam a ser um peso para ele, um pesadelo: invadem-lhe a casa e não os encontra, fazem-lhe perder os amigos e o dinheiro e viver na solidão (pág. 39,40). É, então, que começa a mostrar sinais de loucura na catalogação dos livros, recusando juntar autores cujo relacionamento na vida real não é o mais harmonioso (pág. 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 52, 57). E a loucura atinge o seu ponto máximo depois de um incêndio que lhe destrói o sistema de catalogação e se torna impossível encontrar o livro pretendido. Decide partir para uma praia isolada e, num ato de completa insanidade, constrói uma casa feita de tijolos de papel: a sua imensa biblioteca.
Ao longo do livro, no narrador leva o leitor a confrontar-se com referências a várias obras da literatura universal que, no fundo, são as protagonistas desta história.
Em suma, a biblioteca que vamos construindo é uma vida, mais do que um somatório de livros… “Uma biblioteca é uma porta no tempo” e “um leitor é um viajante através de uma paisagem que se foi fazendo. E é infinita” (pág. 35).
Neste pequeno romance (ou será longo conto?) revelam-se os limites a que a paixão pelos livros pode levar um ser humano. Os livros são aqui descritos como objetos com vida própria, podendo influenciar decisivamente a vida dos seus donos.
Será, também, uma metáfora da vida: a perda conduz ao desgosto, à irracionalidade e a atos desesperados.
A casa de papel é um livro para quem gosta de livros com livros dentro.