Em poucas palavras. Microcontos. Para o leitor que está habituado a grandes narrativas isto pode parecer estranho. No entanto, no século XX, Tolstói, Jorge Luis Borges, Julio Cortázar e Ernest Hemingway praticaram este género em formato breve. Um dos contos mais pequenos que se tornou famoso pertence ao escritor guatemalteco Augusto Monterroso e tem apenas uma frase com trinta e sete letras: “Quando acordou o dinossauro ainda estava lá.”
Neste início do século XXI, o microconto tem sido uma tendência e adquirido diversas formas, sobretudo após o movimento modernista. Mesmo não havendo nenhuma regra clara, uma das definições para o microconto seria o limite de 150 carateres. Hoje, fala-se em nanoconto quando o conto tem apenas até 50 palavras.
Sendo uma narrativa minimalista, consiste em exprimir uma ideia em poucas palavras, dizer tanto, em tão pouco, o que constitui algo complexo porque exige poder de síntese, precisão, subtileza e expressividade.
Carlos Drummond de Andrade já dizia que “escrever é cortar palavras”. Hemingway sugeriu: “Corte todo o resto e fique com o essencial”. Winston Churchill deu um sábio conselho: “Das palavras, as mais simples. Das simples, a menor”.
Mas é bom que se tenha em conta que:
• Um microconto não é uma história resumida nem uma história sem profundidade.
• Um microconto não é para escritores que gostam de explicar tudo. Não há espaço, portanto, nem para descrições nem para pormenores.
• Um microconto não é para escritores que não gostam de andar à procura de palavras.
• Um microconto é para escritores que, quando têm ideias, gostam de pensar em imagens.
• Um microconto não mostra, sugere.
• Um microconto não é para leitores que não estão dispostos a ler nas entrelinhas nem a usar a imaginação.
• Um microconto não é para leitores que gostam de tudo muito bem explicado.
• Um microconto é para leitores que sabem que as boas histórias não se medem aos palmos e que gostam de ficar a saborear e a imaginar o que não foi escrito. Cabe, portanto, ao leitor preencher a narrativa e os silêncios que ela possa ter.
Microescrever em 77 palavras é, assim, uma corrida constante ao dicionário numa busca de palavras exatas, necessárias e suficientes e numa procura incessante de sinónimos, para tornar compreensível e expressiva a ideia que se quer transmitir, de preferência uma boa ideia!
É contenção de palavras, pelo que é preciso saber onde cortar para o texto não perder qualidade e para que a boa ideia não se esfume.
É luta com a sintaxe.
É jogo com a semântica.
É valorização da pontuação.
É busca de sonoridades e brincadeira com o ritmo das frases o que transforma o texto, não raras vezes, num trecho musical e/ou poético.
Resumindo, o microconto tem:
• Uma estrutura narrativa com um conflito e apresenta a resolução.
• Um cenário onde se movem muito poucas personagens (três personagens já lá não cabem!!!).
• Uma história que leva tempo a ser digerida, saboreada e que, muitas vezes, faz doer a quem a escreve.
O projeto microcontos em 77 palavras exatas é da autoria da escritora Margarida Fonseca Santos. Em 2011, saltou para a blogosfera e mora no blogue http://77palavras.blogspot.pt onde são publicados todos os microcontos, enviados por email, de todos os que queiram participar, seja qual for a idade ou a nacionalidade.
Porquê 77 palavras? Segundo a escritora, a resposta é bastante simples: “o número é, em si, divertido.”
Inicialmente, os textos escritos não obedeciam a qualquer tema, mas, a partir de certa altura, passaram a obedecer a desafios lançados de dez em dez dias. Com a chegada do desafio número 100, os participantes deveriam explicar por que motivo escrevem microcontos e terminar com a expressão “e foi por isso que me escrevi.” E foi, então, que me surgiu a ideia de explicar, em apenas 77 palavras, para que trabalho a escrita no ensino:
“Fazer soltar palavras adormecidas é tarefa de herói.
Eles mostram-se renitentes, escusam-se a usá-las pois são muito novos, inexperientes. Primeiro, têm de encontrar as palavras certas na densa floresta onde habitam. Depois, têm de aprender a acariciá-las e beijá-las (como príncipe que desperta a Bela Adormecida), devagarinho, para não estremunharem nem estranharem sair do sono profundo.
Foi assim que tudo começou. Ensinar os jovens a escrever. Provocar. Insistir. Não desistir.
E foi por isso que me escrevi.”
Gostaria, ainda, de partilhar convosco as palavras de uma amiga, Teresa Stanislau, que tem acompanhado a escrita destes meus pequenos textos:
“Para mim , são belas reflexões, inspiradas em instantes de luz dos quotidianos prosaicos de qualquer um ou de todos , daqui ou de qualquer lado .de agora ou de todo o tempo ... Que tu agarras com mestria!”
Termino citando Ana Hatherly, mestre do microconto, que no seu livro Tisanas escreveu este:
“O autor e o leitor: estamos no limiar do prazer. Um de cada lado como anfitriões esperando tensos. Vivemos a problemática do segredo - se for divulgado deixa de existir se não for torna-se um horrível tormento. Alguns mestres dizem que o próprio do prazer é não poder ser dito.”
Com a publicação deste livro, optei por romper o segredo para não se tornar um horrível tormento. Espero que o leitor o agarre e que lhe dê momentos de reflexão e de prazer. De magia também.
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