30 de agosto de 2025

O QUE ACABEI DE LER

 

Uma história de terror e ódio, inspirada na própria família da autora, que explora heranças familiares terríveis e presta vingança às mulheres violentadas. Mistura ficção e terror com elementos autobiográficos, centrada nas mulheres, a mãe, a avó e a bisavó, e na casa onde viveram, que acaba por ser a personagem central.

Narrada a duas vozes, por uma jovem e pela sua avó que alternam os seus pontos de vista, a história começa com o regresso da neta, acusada de um crime, à casa rural da família, um lar assombrado onde vive com a avó e com espetros do passado.

"A minha mãe dizia que esta casa nos faz cair os dentes e nos seca as vísceras, mas a minha mãe saiu daqui há muito tempo e não me lembro dela. Sei que dizia isto porque a minha avó mo contou, embora não fosse preciso porque eu já o sabia. Aqui caem-nos os dentes e o cabelo e as carnes e, se não tivermos cuidado, damos por nós a arrastar-nos de um lado para o outro ou prostradas na cama para nunca mais nos levantarmos".

Uma narrativa onde o terror psicológico perpassa. Os fantasmas que assombram a casa são reais para as protagonistas, há sombras debaixo das camas e nos armários, e conotam as feridas deixadas pela violência familiar e pela pobreza.

"Toda essa amargura, esse ressentimento que acumulamos ao longo dos anos, é como o caruncho, algo que nos destrói por dentro".

Todo o ambiente de assombração e medo foi inspirado na cultura popular local: acredita-se que os mortos voltam para transmitir mensagens ou para concluir algo inacabado.


5 de agosto de 2025

O QUE ACABEI DE LER

 


Será uma técnica de marketing, para a compra do livro, incluir na capa e na contracapa a informação que este é um romance inspirado na vida de Brynhild Størset, também conhecida como Bella Sørensen e, depois, Belle Gunness, a qual terá assassinado mais de 40 pessoas, incluindo dois maridos e uma série indeterminada de homens que descobria através do correio sentimental da imprensa norueguesa.

Desengane-se o leitor que fica na expectativa de assistir, sentado no seu sofá, a assassinatos ao longo da história, a começar logo no primeiro capítulo. Não! Terá de esperar quase até ao fim do livro!

E não é um livro fácil de ler. A alternância de tempos e espaços leva a que se tenha de voltar atrás algumas vezes para acompanhar a vida da personagem que, aos 17 anos, viveu a sua primeira história de amor cujo final abrupto lhe deixou marcas profundas e traçou o seu percurso: “deve ser doloroso lembrares-te de quem não te quis, não?”.

Também não é a biografia de Brynhild. É um romance psicológico cuja protagonista possui uma mente perturbada, atormentada pelo desejo de amor, pela compulsão sexual, pelo fervor religioso (a presença constante de Deus a regular a sua vida acentua os seus atos de loucura), pela falta de aceitação e sensação de abandono pelo mundo. “Recebera a rejeição como uma chapada na cara.” Todos estes ingredientes misturados impelem-na à violência de uma forma fria, cruel, quase irracional, provocada por um desejo mórbido que ela nunca encontrou.

E este anseio, este suor de amor que não parava de correr, pespegava-se a tudo que ela fazia, estas glândulas fedorentas nos sovacos nunca deixavam de cheirar mal. Este anseio, o grande corpo aberto. (…) Estes nervos, a inquietação constante, as cores dentro dela, este ridículo no seu interior, os instintos, os sentimentos e os pensamentos eram como pústulas no seu corpo, dentro dela as imagens pintavam-se tão grandes, tão gigantescas.”

“Bella virou-se para Deus, para tudo o que constava da Bíblia, para tudo o que estava preto no branco, para a verdade inabalável.”

Ao longo do romance, há indícios desta loucura através de referências a luz e sombras, cores escuras (flores cinzentas e borboletas negras) e, sobretudo, pela questão que se repete variadas vezes: “que género de pessoa és tu?”, “quem és tu, de verdade?”.

A narrativa é revestida de bastante crueldade, no entanto, atenuada por várias passagens poéticas. Se, por um lado, o leitor fica chocado com todo o comportamento da personagem, por outro, não sente os murros no estômago que seria suposto sentir. A autora consegue, com mestria, entrar no mundo tumultuoso de Brynhild, a mulher consumida pelo desejo, que “agira como se fosse Deus”, e retratá-lo com subtileza e beleza.