30 de agosto de 2022

O QUE ACABEI DE LER


São muitas as adversidades a que o ser humano está sujeito. No entanto, há algo muito poderoso que ajuda a superar os obstáculos: amizade e solidariedade que andam de mãos dadas e tornam a vida tão doce e tão saborosa como os dorayaki saídos das mãos tortas de  Tokue.

Doença, abandono, solidão, sonhos desfeitos, prisão, discriminação passam subtilmente neste romance de Durian Sukegawa onde a passagem do tempo é marcada pela delicadeza das cerejeiras, pelas vivências das personagens e pela busca por um sentido para a vida.

"Todos nascemos para ver e escutar o mundo." 

"Ela disse que a única forma de vivermos era sermos como os poetas. Foi o que ela me disse. Se olharmos apenas para a realidade, só queremos morrer. A única forma de ultrapassar barreiras, disse, é vivermos como se já estivéssemos do outro lado."

Esta é a lição de Tokue para que saibamos dar uma nova forma à visão do mundo e encarar as dificuldades.

22 de agosto de 2022

ESTÓRIA DE FÉRIAS MEIO LOUCA


De espírito aventureiro, muito gosta ela de enfrentar o desconhecido.

Esquecida daquela vez em que o snorkeling correu mal, decidiu praticar stand up paddle. Parecia fácil, bastava subir para a prancha e controlar o remo. Nem seria preciso praticar antes.

Enfrentou o Atlântico toda confiante. Deixou-se levar, mas o remo, teimoso, não obedecia, tornou-se ingovernável. Quando se apercebeu o quanto já estava afastada do barco, em pânico gritou:

-Socorro! Venham buscar-me! Estou quase a chegar a Marrocos!

(desafio rewordit)

21 de agosto de 2022

VERBOS COMEÇADOS PELA LETRA L

Tu, só tu, lapidaste a relação. Tudo porque o tempo gasto a laurear a pevide e a lambuzar os beiços depois de muitas conquistas, levantou ondas tempestuosas. Como lidar com isto?

Agora, leio nos teus olhos que lamentas. Tarde, muito tarde. Quando te livraste da responsabilidade assumida, largaste qualquer possibilidade de reconciliação.

E ainda te lamurias depois de me lacerares o coração? O que lucraste com as galdérias que levaste para a cama? 

 (desafio rewordit)

10 de agosto de 2022

O QUE ACABEI DE LER


Um livro a várias vozes. Todas de mulheres. Negras. Feministas radicais. Amantes. Homossexuais. Exploradas. Lutadoras. Vencedoras.

Vozes de mulheres que são um grito de libertação das amarras impostas pelos pesos que têm de carregar: o peso da História, o peso da tradição, o peso da educação, o peso do machismo, o peso do sexismo. A herança de um passado traz-lhes, no presente, graves problemas provocados pela intolerância que elas terão de enfrentar com coragem, determinação e resiliência.

“por tudo isto, concluiu ele, ia certificar-se de que ela chegava ao topo mais depressa do que seria a norma porque ela merecia, que diferença fazia que só abrisse folhas de cálculo e nunca as pernas? Há muito que esses tempos tinham acabado, já não era assim que as mulheres subiam na carreia, e ainda bem, ressalvou logo, e então pôs-se a desfiar histórias dos seus vertiginosos tempos de hedonismo nos anos 80, quando ainda estava na Bolsa…” pág. 154

As suas estórias poder-se-iam resumir ao lema criado por Amma e Dominique para a companhia de teatro que criaram: “Resistir ou morrer”.

Esta expressão sintetiza toda a luta das mulheres pelos seus direitos contra a educação machista, contra a submissão aos maridos, porque a tradição o exige, contra a violência doméstica.

 “O teu pai é produto da sua época e da sua cultura.” (pág. 44)

“ela sim, saiu-se bem, não é como os irmãos mais velhos que nem sequer tinham de ajudar em casa ou lavar a roupa que sujavam, ao contrário dela, que passava as manhãs de sábado a fazer as duas coisas

Que eram sempre os primeiros a ser servidos, embora jamais tenham ajudado a preparar uma única refeição, e, por serem rapazes em idade de crescimento, ainda tinham direito a doses maiores…” pág. 232

“deu então início a uma campanha para pressionar Gilles a deixá-la trabalhar, porque ele continuava a teimar que mulher sua tinha de estar em casa, que era essa a ordem natural das coisas desde que havia memória

eu caçador – tu doméstica

eu ter salário – tu fazer o comer

eu fazer-te filhos – tu ficar a criá-los” pág. 303

Além dos problemas das mulheres em geral, as mulheres negras ainda têm de lutar contra a discriminação racial: “ao subir ao palco durante a sua cerimónia de graduação para receber o canudo e apertar a mão ao diretor da universidade diante de centenas de pessoas, mal imaginava ela que o seu grau académico com distinção obtido num país do terceiro Mundo seria inútil no seu novo país

sobretudo porque daquele rolo de papel-pergaminho constavam o seu nome e a sua nacionalidade

mal imaginava ela que as cartas de rejeição para os empregos a que iria candidatar-se chegariam no correio com tal regularidade que queimá-las no lava-louça tornar-se-ia um ritual”, pág. 180

Sendo mulheres negras, homossexuais e com problemas com identidade de género acresce a luta contra o preconceito e a homofobia.

Com uma enorme força narrativa, o romance de Bernardine Evaristo expõe claramente, por vezes de forma dura e crua, por vezes de forma tocante e de uma sensibilidade extrema, uma sociedade multicultural xenófoba, racista e discriminatória, repensa as questões de identidade, de género e de classe social e revela os contrastes do mundo e a sua falta de equilíbrio, deixando, no entanto, uma mensagem de esperança: “o poder que a instrução tem de transformar vidas.” pág. 262