1 de maio de 2021

O QUE ACABEI DE LER

Quando decidi ler este livro e o propus como leitura do Clube de Leitura para o mês de abril, pensei tratar-se de um romance onde o regime vegetariano seria um modo de vida e o centro da intriga.

Cedo verifiquei não ser assim. A vegetariana é um grito de libertação. É o retrato de uma sociedade opressora onde as mulheres são calcadas, caladas, vivem sob o domínio masculino.

Um romance que é um murro no estômago pela crueza das descrições, pela violência da luta pelo direito ao próprio corpo.

O primeiro parágrafo atrai logo o leitor pelo efeito-surpresa: o narrador tem uma mulher completamente insignificante, sem qualquer atrativo. Casa com ela apenas porque não tem nada de repulsivo. “Antes de a minha mulher se ter tornado vegetariana, sempre pensei nela como alguém que não tinha nada de especial. Para dizer a verdade, quando nos conhecemos, nem sequer me senti atraído por ela. Altura mediana; cabelo cortado a direito, nem curto nem comprido; pele amarelada, com um aspeto pouco saudável; maçãs do rosto ligeiramente pronunciadas, o seu ar tímido e frágil disse-me tudo o que precisava de saber.” (…) 

Ele não quer um ser pensante, um ser passivo basta-lhe. E esta mulher, aparentemente passiva, aparentemente sem exigências, serve perfeitamente este homem frustrado que não suporta ninguém superior a ele (nem física nem intelectualmente). Encontra emprego “numa empresa cuja pequena dimensão faria com que valorizassem inevitavelmente as minhas competências banais. E, por isso, era natural que me casasse com a mulher mais trivial do mundo. As mulheres bonitas, inteligentes, sensuais, filhas de famílias ricas – essas teriam acabado por perturbar a minha existência tão cuidadosamente ordenada.”

No entanto, a sua existência foi completamente perturbada a partir do momento em que a mulher lhe diz “Tive um sonho”, a frase que desencadeia a luta da vegetariana contra tudo e todos e conduz à vertigem provocada pela narração dominada por forte carga psicológica. Uma narração a três vozes, três perspetivas diferentes sobre os mesmos acontecimentos e que se complementam.

A minha opinião sobre o livro pode resumir-se nesta passagem: “Estremeceu perante a natureza chocante daquela união, uma união de imagens que eram, ao mesmo tempo, repelentes e irresistivelmente belas.” (página 120). O primeiro capítulo é marcado pela violência física (atitudes do marido e do pai, a cena passada no hospital, a submissão das mulheres). O segundo capítulo é marcado por imagens “irresistivelmente belas” de forte carga sexual que não se tornam chocantes pela beleza das descrições cheias de sensualidade e erotismo: o casal pintado de flores a fazer sexo, as fortes pulsões sexuais do cunhado psicologicamente perturbado por uma atração inusitada, fixação pela nudez da vegetariana.

Ao longo da história, e sobretudo no terceiro capítulo, há fortes indícios do destino desta mulher que decidiu viver para ser uma árvore. Já não é a vegetariana, é um ser vegetal. 

Loucura? Obsessão? Libertação?


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