19 de agosto de 2015

VARREDURA

Alberta não aguentou mais tanto sentimento acumulado e saiu de casa com a alma pesada, manhã cedo, ainda o sol não despertara. Montou a bicicleta e voou estrada fora, perseguida por mil borboletas escapadas dos seus sonhos, há tanto aprisionados. Chegara a hora de batalhar, de obliterar o casamento, qual bilhete caducado, de se libertar de tanta tralha amontoada no coração e na cabeça. Foram sonhos adiados, decisões tomadas e não concretizadas, receios de enfrentar o vazio, falta de espaço. 
Foram dias, foram meses, foram anos. Sempre a mesma rotina. Sempre as mesmas palavras, sempre os mesmos gestos. Sem lugar para a novidade. Sentia-se à deriva dentro de si própria mas não procurava o caminho para se reencontrar e não sabia (ou não queria saber) como interpretar os diálogos travados com a sua consciência. 
A última arrumação das gavetas foi a bússola, o farol, o GPS, algo que lhe apontou a saída. Aquela varredura anual dos armários… uma metáfora? 
(prolongamento do microconto "Como bilhete caducado")
(...)
Continua, in Os dias são assim

1 comentário:

Margarida Fonseca Santos disse...

Muito bonito e forte, parabéns!