26 de setembro de 2012

UM SENTIDO PARA VIDA

Brincar aos anagramas!

Anda atrás de um sentido para a sua vida. Mas, tonta que é, nada a satisfaz e a vida só fará sentido se casar. Tanto se lhe dá que ele seja um mulherengo depravado sem emenda! 
Foi à rasca que conseguiu sacar dele a promessa do tão desejado casamento. Arcas abarrotadas de rico enxoval esperaram, durante um ano, o grande dia. 
O grande dia chegou mas, afinal, mostrou-se curto, muito curto. Quanto às arcas… nunca se abriram.

(desafio nº19 da Margarida Fonseca Santos, 77palavras.blogspot.com)

11 de setembro de 2012

DESISTIR OU RESISTIR?



Passou verão e inverno embrulhada na sua melancolia feita de muitas melancolias tecidas ao longo dos anos. Parou de sorrir à vida. Afastou o brilho do olhar. Deixou de querer. 
Desistir. Verbo medonho! 
Decidi, então, riscar no dicionário a palavra desistir e todas as suas derivadas. Tudo porque ela desistiu da vida e se deixou apagar, dia a dia, qual vela a arder lentamente e a desvanecer. 
Na folha rasurada do dicionário, escrevi em maiúsculas: EXISTIR. RESISTIR.

(desafio nº18 da Margarida Fonseca Santos, blogue 77palavras)

8 de setembro de 2012

LER FAZ MAL? QUEM DISSE?

ilustração de Dulce Esperanza Juárez

 - Não leiam muito, à noite muito menos, faz mal aos olhos. 
Esta era uma frase insistentemente repetida pela avó que se preocupava muito com a nossa saúde. Mas nós éramos leitoras compulsivas. Os livros espraiavam-se por toda a casa. Por onde passávamos, tínhamos um livro a olhar para nós e a suplicar-nos (não muito pois não era necessário!) para lhe pegarmos e o folhearmos e o lermos. 
- Faz mal, uma ova! – respondíamos, olhando-a por cima dos óculos! 

 (desafio nº17 da Margarida Fonseca Santos, 77palavras.blogspot.com)

5 de setembro de 2012

LUTO

Domingo triste. A chuva espreitava por entre os vitrais da igreja cobrindo-os de pequenas gotas, pérolas vindas de longe, há muito esperadas. 
Eva ajoelhou-se e, depois de rezar a primeira Ave-maria, parou de acariciar o rosário. Era demasiado religiosa para ter dúvidas mas, naquele momento, tudo estava em causa. A reviravolta na sua vida e a enorme raiva que sentia provocaram demasiados conflitos interiores e vacilaram a sua fé. Agarrada à aliança, chorou e não mais rezou.


(nova participação no desafio nº17 da Margarida Fonseca Santos, publicado em 77palavras)

1 de setembro de 2012

ESTÓRIA DE AMOR


Estava escrito nas estrelas que seria para toda a vida.
Nasceram em locais opostos do mundo mas foi em Roma que se encontraram e passaram parte do verão. Viram-se, apresentaram-se e… o amor surgiu como avalanche incontrolável.
A lua vestia o seu mais brilhante vestido quando ele lhe colocou o anel no dedo e lhe perguntou:
- Queres ouvir comigo a mesma canção até ao fim das nossas vidas, Lena?
Estava escrito nas estrelas mas eles não sabiam.

 desafio nº17 da Margarida Fonseca Santos (77palavras)

30 de agosto de 2012

MARIA MAR


Ainda faltavam quatro semanas para o nascimento mas ela impôs-se. Nasceu no mar. O marulhar das ondas foi a primeira música que ouviu e que a embalou. Por isso lhe chamaram Maria Mar. Por isso o sol foi o padrinho e a lua a madrinha. Por isso, foi abençoada pelas estrelas. Também por isso, herdou a personalidade inconstante do mar. Ora calma e sossegada, ora irascível e tempestuosa, tal como o mar, viveu livremente, cheia de mistério.

desafio nº16 da Margarida Fonseca Santos (77palavras.blogspot.pt)

28 de agosto de 2012

PRAIA DA FALÉSIA, VILAMOURA - IMPRESSÕES


Quem ruma a sul, mais concretamente à praia da falésia em Vilamoura, com intenção de passar férias isoladas e silenciosas, desengane-se. Mas a confusão é compensada pela enorme biodiversidade humana. 
Gosto de me sentar na areia ou numa esplanada, frente ao mar, e observar. Além do colorido de guarda-sóis, toalhas, cestos, chapéus e biquínis que transformam a praia em múltiplos arco-íris (gosto do branco, na praia, e do amarelo, e do laranja, e do rosa fúcsia), a variedade de pessoas fascina-me. Pessoas altas e baixas, pessoas magras e gordas; corpos esbeltos e bem torneados, corpos atacados pela celulite e por gorduras indesejadas; peles brancas e peles bronzeadas; peles lisas e peles enrugadas, vincadas pelo tempo; peles secas, peles brilhantes, peles pintadas com artísticas tatuagens; cabelos curtos, cabelos compridos que se estendem costas abaixo, cabelos apanhados em longos rabos de cavalo, ausência total de cabelo em cabeças carecas. Velhos, novos, crianças e jovens. E bebés. Bebés na praia, a qualquer hora do dia. E pessoas que chegam depois do meio-dia. E pessoas que passam o dia inteiro na praia e abrem grandes lancheiras donde saem sandes, bebidas frescas e fruta. E batatas fritas, claro!
E a variedade de línguas estrangeiras misturadas promiscuamente com o português (nos seus variados sotaques e regionalismos) encanta-me. “Queres pom?” – é a pronúncia do norte no seu melhor! 
Ouve-se francês (imenso), inglês (bastante), espanhol (muito), alemão (um pouco) apesar de o jornal Expresso desta semana (18 de agosto) trazer um artigo intitulado “Turistas alemães salvam ano no Algarve” (parece que a srª Merquel os enviou para aqui, “que os pobres coitados dos portugueses estão a precisar do nosso dinheiro!”). 
Ouvem-se os pregões dos vendedores que inundam a praia e a transformam num grande centro comercial, alguns até com Multibanco. 
Passam os exuberantes brasileiros vendedores da bolinha de Berlim e da bolacha americana. 
- Olhá bolinha, chegô! Tá chamando, eu vô!
- Chora, nenem chora, que a mamãe te dá a bola! 
- Comê, comê, para crescê! 
Passam outros exóticos brasileiros vendedores de biquínis. 
- Olhó biquíni brasilero originau! 
Passam os tímidos vendedores portugueses. 
- Água, cerveja, coca-cola. 
- Bolacha americana e pastel de amêndoas! 
Passam os discretos e calados indianos vendedores de pratas e vestidos de algodão e os também discretos marroquinos carregados de pilhas de toalhas de praia, carteiras e óculos de sol. 
E o sol vai queimando. E a água fria refresca todos estes corpos, toda esta gente que veio para sul esquecer a crise enterrando-a na areia ou afogando-a no mar.


10 de agosto de 2012

MARCHA NUPCIAL

O desafio nº15 da Margarida Fonseca Santos: escolher um livro de que se goste, abri-lo ao acaso e escolher uma frase, ou parte de frase, que chame a atenção; depois, usar essa frase no texto a criar. 

Adoro Jorge Amado e a Bahia exerce uma forte atração sobre mim. Escolhi Mar morto e, abrindo o livro ao acaso, calhou o início do capítulo "Marcha nupcial".

Praia do Forte, Bahia

O casamento seria daí a doze dias e tudo estava pronto para ouvirem a marcha nupcial. Mas, o condutor embriagado destruiu o sonho. 
Dias depois, enquanto deambulava pela praia deserta, pontapeava a areia com violência, vingando os pensamentos zangados. Fixou o horizonte. Uma mulher de longos cabelos prateados, de espuma vestida, surgiu das ondas. Anjo ou sereia feiticeira? 
Foi prazer o que sentiu quando o mar lhe fustigou as pernas, depois o peito e, finalmente, o engoliu.

VIVER NUM LIVRO

ilustração de Klaas Verplancke

Somos o que lemos. Logo, passámos a fazer parte dos livros e a viver neles. Opto por Jorge Amado para viver no seu Mar morto. Porque a Bahia exerce um fascínio muito grande sobre mim; porque adoro o mar; porque é uma estória de amor de um jovem dividido entre uma mulher e o apelo de Iemanjá que o atrai para as ondas e me atrai também.

3 de agosto de 2012

ANIVERSÁRIOS


Nascemos no mesmo dia e, ontem, soprámos as mesmas duas velas. A minha filha soprou 14 anos; depois de trocadas as velas e novamente acesas, eu soprei 41. 
Agora, sentada ao meu lado enquanto conduzo, ela suspira: 
- Estou a ficar velha!
...
Deixei a mente vaguear e recuei ao verão dos meus 14 anos. Passeios de bicicleta, desfolhadas, risos; revivi, sobretudo, a libertação do país amordaçado que nos escondia o mundo. 
Velha!... Com tanto para viver e descobrir!

(desafio nº14 da Margarida Fonseca Santos, no blogue 77palavras)