19 de março de 2020

DIÁRIO DE UM TEMPO DE MEDO VII

Lá fora vive o escuro e o medo avança.
Hoje é o Dia do Pai e decidi enfrentar o medo para te poder atirar um beijo, mas não te dei uma flor.  Não me atrevi a ir comprá-la e as minhas floreiras no terraço estão um caos, só têm ervas. Antes de sair de casa, pensei que, provavelmente, o cemitério estaria fechado. E, estando aberto, colocou-se a questão: quantas pessoas lá estarão? Isso preocupou-me. E é isto! Temos medo das pessoas e já sinto falta dos abraços.
Fui. Cemitério de portas abertas. Três pessoas, apenas, e o silêncio que o lugar requer. Normalmente, quando te visito, o silêncio e o recolhimento trazem algum bem-estar, são momentos em que podemos ficar sós, apenas nós os dois. Hoje, foi diferente. O silêncio impôs-se em todo lado, já não fez diferença.
Mas, por momentos, senti a liberdade de poder conduzir, mesmo que nem dois quilómetros tenha feito. E pude apreciar bandos de andorinhas que vieram trazer a primavera.

18 de março de 2020

DIÁRIO DE UM TEMPO DE MEDO VI

A situação está a agravar-se. O número de infetados, hoje, subiu para 642. O Presidente da República decretou estado de emergência. O Primeiro Ministro apela: "Para salvar vidas é preciso que a vida continue".
O Mundo está a sofrer e o fim não está à vista.
Olhar à nossa volta é desolador. Assistir às notícias na televisão é desolador. Seguir as publicações no Facebook é desolador.
Por muito que me queira abstrair com trabalho, é quase impossível, a menos que atire com o telemóvel para bem longe.
Parece que há um silêncio sepulcral no meio de tanto ruído nas redes sociais e nos media.
Um silêncio de respeito por todos que foram infetados por um vírus abusador que não escolhe por onde passa. 
Um silêncio de respeito por todos aqueles que estão na linha da frente para que nada falte a quem precisa.
Um silêncio de respeito por aqueles que ficaram completamente sós fechados em casa.
Um silêncio de respeito pelo medo que nos tolhe a todos.
E neste momento já sinto falta do barulho da escola, dos gritos dos jovens sempre cheios de energia, dos abraços das crianças, das conversas...
Parece que já não ouço o trânsito na rua. Da minha janela, apenas vislumbro os vizinhos dos prédios por trás do meu. Um que pedala na varanda. Uma que sacode tapetes à janela. Outro que fuma um cigarro no terraço. Apenas o grasnar das pombas e o voo da cegonha, que se passeia pelo alto do meu quinto andar, indiferentes ao vírus, mostram vida.
Até o carteiro que vem trazer uma encomenda não é recebido da mesma forma. Assinou por nós, demos-lhe autorização. A encomenda veio pelo elevador, ficou fora de portas, foi desinfetada e ficou a arejar antes de ser aberta. 
Até quando?

17 de março de 2020

DIÁRIO DE UM TEMPO DE MEDO V

Desde que estou em casa (sexta-feira passada, pelo meio da tarde), só saí ontem para ir levar plásticos e papel ao ecoponto que fica no cimo da minha rua. Aproveitei para dar uma corrida no regresso.
Só hoje tive mesmo de sair para ir ao supermercado. Três bocas em casa precisam de alimento e há coisas que têm de ser feitas, caso contrário não se morre da doença morre-se da cura!
E foi surreal! Senti-me completamente mergulhada num filme de terror, vivido noutro planeta, noutra dimensão!
Pessoas a entrarem no supermercado à vez. Pessoas com luvas e máscaras. Pessoas com olhares desconfiados como se quem está a uns metros de distância fosse inimigo a abater. Funcionários a alertar para as tiras no chão a demarcar distâncias.
E o sol sem querer saber e a brilhar, a convidar para o passeio, para o convívio!
As notícias não são animadoras. O número de pessoas afetadas subiu para 448. 
Trabalhemos para esquecer. Os alunos começaram a enviar os trabalhos que deveriam realizar no horário normal de aulas. Espero bem que Luís de Camões os ajude a ultrapassar o problema atual. O trabalho, afinal, não é trabalho, é ler poesia. E escrever sobre o mundo e o seu desconcerto. Vamos tentar escrever um conto coletivamente, o desafio já foi enviado.
Tarde de catalogação e de trocas de mensagens com alunos.
As notícias chegadas a meio da tarde não são animadoras. Em Ovar foi declarado estado de calamidade. Há famílias inteiras infetadas!
Pelas 17h, aula virtual sobre utilização do Edmodo. Não há paciência com a falta de paciência de certas pessoas. Às 17h, hora marcada, imensos professores já tinham entrado no site, mas a sessão não começava. Problemas técnicos, suponho! Mas não faltaram comentários depreciativos sobre o atraso. Por vezes tenho vergonha de ser portuguesa. Por vezes tenho vergonha de ser professora!
(Ainda bem que é só por vezes!!!)
Hoje não me apetece escrever mais, embora o dia ainda não tenha acabado.

16 de março de 2020

DIÁRIO DE UM TEMPO DE MEDO - IV

Primeiro dia de uma semana sem escola. Primeiro dia de trabalho domiciliário. Terceiro dia de clausura.
7h15 da manhã e já estou a pé. Felizmente os canais de cinema existem para amparar insónias. 
Isabelle Hupert despertou-me para o dia. 
Manhã inteira com trabalho de catalogação. O telemóvel requer atenção constante. Chegam notificações do Facebook, Whatsapp, Messenger e Instagram. Difícil concentrar para trabalhar. 
Reunião de departamento por email. Há assuntos a resolver e a avaliação dos alunos, que teria de ser feita dentro de 15 dias, está comprometida. 
Tomara eu que o problema do mundo atual fosse a avaliação dos alunos! Estaríamos todos bem mais sossegados! Neste contexto, a avaliação é o último dos problemas. Aliás, nem chega a ser problema!
E a catalogação prolonga-se durante a tarde. Até à hora de um tempo de pilates caseiro. Vivam as tecnologias! O ginásio tem publicado vídeos onde os instrutores  mostram os músculos em corpos fitness e explicam os exercícios a fazer em casa. A bem da sanidade mental. E do corpinho que se irá ressentir de tanta hora na cadeira. Apenas os dedos se exercitam a dar pancada no teclado.
Hora de jantar. Hora do tricô. E de mais um filme.
Amanhã, vai ser preciso sair para fazer compras!

15 de março de 2020

DIÁRIO DE UM TEMPO DE MEDO - III

Hoje seria um domingo normal, se não fosse a anormalidade da situação. Choveu e a vontade de sair diminuiu.
As redes sociais ganham força numa altura destas , mas apetece desligar tudo. Já não se aguenta a televisão, já não se aguentam os boatos no Facebook. Ora é uma gravação de um suposto médico que não se identifica e tem um discurso altamente perturbador de tão alarmista. Ora é um contacto que substitui a linha 24 e que não existe. Ora é o Cristiano Ronaldo que vai transformar os seus hotéis em hospitais (e sobe a sua popularidade e grandiosidade!!!). E o pessoal partilha tudo a torto e a direito, porque sim! E os jornalistas incendeiam ainda mais. Há os que ligam para a linha saúde 24 para provar que a linha está entupida! 
Quanta estupidez habita este mundo! Uma estupidez bem mais perigosa do que o vírus. 

14 de março de 2020

DIÁRIO DE UM TEMPO DE MEDO - II

Sábado de um fim de semana que se adivinha... diferente!
Não houve a habitual saída à Praça para um café e compras.
Não houve saída para o cabeleireiro.
Não houve saída para um café, depois de almoço, nem para jantar fora.
Hoje seria dia de aniversário. 80 anos da mãe. A festa programada há meses foi suspensa. O sacana do vírus não está para festas. O seu mau humor ataca tudo que possa. É preciso ter muita cautela e o grupo seria grande. Muitos andaram por fora, por lugares contaminados. Nenhum de nós se atreveu, sequer, a ir dar um beijo à aniversariante. Triste. Tão triste!
Choveram mensagens o dia todo no whatsapp da família e no Facebook. As minhas mensagens:
"A criança via fazer uma birra e só vai nascer quando todos puderem estar juntos para lhe fazerem a festa que ela merece. Mais uma vez, está a ser posta à prova para mostrar que é uma guerreira. Muitos parabéns. Teremos muitos anos para festejar porque os 100 ainda estão longe. Beijinhos enormes."
"Muitos parabéns pelos teus 80 anos de vida. E obrigada por tantas vidas que geraste. A tua festa não se fará hoje, mas não perdes pela demora! Se não for antes, festejaremos em agosto o meu e o teu aniversários. Ainda haveremos de festejar juntas os meus 80 e os teus 100. Muitos beijinhos."

Abençoada tecnologia que nos juntou todos. Conseguimos cantar os parabéns em simultâneo e conversar em tempo real. Não houve bolo, nem velas, nem comida a rodos. Mas houve união, mesmo que à distância.

13 de março de 2020

DIÁRIO DE UM TEMPO DE MEDO - I

Parece que uma sexta-feira 13 cumpriu a missão de trazer o azar!
Até hoje, a minha apreensão e o  meu medo face ao coronavírus eram muito relativos. Hoje, porém, tudo mudou. Os casos em Portugal começaram a subir e fala-se em fechar as escolas a partir do próximo dia 16.
A minha escola, hoje, parecia quase uma escola fantasma. Os alunos anteciparam-se à ordem do Ministério e ficaram em casa (espero eu!). Dos 25 alunos da minha turma apenas cinco estiveram presentes.
De repente, com o anúncio de todas as atividades extracurriculares canceladas, fiquei apenas com um trabalho para fazer: catalogação. E assim passei toda a manhã, além de aconselhar livros aos alunos que foram à escola e quiseram ir para casa prevenidos.
- Professora, quantos livros posso requisitar para os dias todos em casa? 
- Professora, posso ir escolher livros? Serão 4 semanas em casa! 
Só espero que o vírus da leitura seja altamente contagioso!
Saí da biblioteca com um saco de livros para catalogar. Não sabia, ainda, se o fecho das escolas implicaria que os professores ficassem a trabalhar em casa. Muitos rumores se leram na Internet, com opiniões contraditórias!
Durante a tarde ainda fui trabalhar numa biblioteca do 1ºciclo. Trouxe para casa mais um saco para catalogar.
A informação definitiva que os professores iriam ficar em casa, em teletrabalho, chegou, finalmente! Voltei à escola para trazer mais livros. Ficou a tenda montada no meu escritório.
E a tarde terminou depois de ter enviado emails de trabalho. A biblioteca terá de ser usada fora de portas, através do blogue e das redes sociais.
E a preocupação instalou-se! Afinal, o caso é sério! Afinal, estamos a viver uma pandemia que está a alastrar a um ritmo vertiginoso. Quando irá parar? Onde iremos parar?

8 de março de 2020

"OS DIAS SÃO ASSIM" - LANÇAMENTO NA BIBLIOTECA MUNICIPAL RENATO ARAÚJO

O dia 6 de março de 2020 fica marcado na minha história, enquanto autora, como o dia do nascimento do sexto livro, o segundo com vários contos para um público mais crescido.
Os dias são assim é um livro com 12 contos, mas há uma 13ª história que não está nele. É a história do título que mudou três vezes.
Inicialmente, dei-lhe o título “O pintor da noite e outros contos”. O pintor da noite é o primeiro conto, para mim o mais poético, pelo que seria um título apelativo. Mas, seguido de “e outros contos”, seria banal pois há imensos livros assim, com o título de um dos contos e … outros contos. Então, pensei noutro que, numa única palavra, abrangesse o assunto de todos os contos, que fosse transversal a todos. Surgiu “Silêncios”. Soou-me bem. Se há palavras que são gritos, chamadas de atenção, há outras que escondem silêncios, por vezes mais ruidosos que um grito. Neste livro há silêncios gritados que se ouvem nas entrelinhas da maioria dos contos. Os seus leitores, provavelmente, irão ouvir esses gritos mudos que as palavras tentam esconder. E foi este título que a Isabel trabalhou para a ilustração da capa, com um S estilizado a ocupar toda a página.
Mas, no dia em que um amigo apresentou o seu último livro, uma sua amiga poetisa falou de um livro que tinha escrito e que se intitulava… Silêncios. O céu desabou sobre mim. Como poderia eu dar um título a um livro meu se ele já tinha dono?
Foi preciso repensar, mudar, criar outro. Até que surgiu este, Os dias são assim. O que veio complicar a vida à Isabel Pelaez, a ilustradora, pois ela teria de mudar a capa de uma palavra para quatro. 
De facto, os dias são assim, cheios de complicações. Mas também são cheios de vidas que vivem cá dentro do livro. Umas reais, outras inventadas, outras com um cruzamento de realidade e ficção. Cabe a cada leitor tentar imaginar quais são as histórias reais e as fictícias. Depois mo dirão. Mas, peço-vos, não tentem encontrar dados autobiográficos que não os vão encontrar. A minha vida não tem nada digno de uma história. Pelo contrário, as histórias deste livro estão cheias de vidas sentidas. O olhar atento da Isabel fê-la vislumbrar no novo título um S em todas as palavras. Deste modo, teve a feliz ideia de manter o S estilizado inicial e adaptar-lhe o resto das letras. Os silêncios mantêm-se, assim, ao longo deste S e nas ilustrações a preto e branco. Porque os dias são assim. Uns cheios de palavras, outros de silêncios. Uns cheios de claridade, outros de cinzas. 
Desejo a todos os leitores que o meu novo livro lhes proporcione bons momentos de leitura. Tão bons como os que eu passei a escrevê-lo.

Notícia no jornal Labor.


29 de fevereiro de 2020

"OS DIAS SÃO ASSIM" - LANÇAMENTO



Com um menu recheado, a "Poesia à Mesa", em S. João da Madeira, inclui o lançamento do meu novo livro de contos.

27 de fevereiro de 2020

"OS DIAS SÃO ASSIM" - LANÇAMENTO DO LIVRO

É com muita alegria que vejo aproximar-se o dia do lançamento do meu novo livro. 
A sessão decorrerá na Biblioteca Municipal de S. João da Madeira, pelas 21h30, no dia 6 de março.
Trata-se de um livro com doze contos ilustrados pela minha amiga Isabel Pelaez e editado pela Coolbooks.

Sinopse: 
Os dias são assim, cheios de histórias. De amores e desamores. De encontros e desencontro. De lutas, fracassos. mas também conquistas.
Os dias são assim, cheios de vidas.
 A apresentação ficará a cargo da minha amiga Cristina Marques. Estão todos convidados.